protecionismo em alta
Se
crises econômicas costumam provocar protecionismo, grandes crises econômicas
tendem a causar grande aumento no protecionismo. Desde 2008, o mundo assiste a
uma escalada na adoção de medidas restritivas, que se aliam às dificuldades
financeiras causadas pela crise para derrubar o comércio internacional. E, ao
contrário do que se poderia imaginar, cinco anos depois, esta escalada vem se
acelerando, com graves consequências tanto globais quanto para os países que seguirem
este caminho.
Estudo
recente da Global Trade Alert mostra que 431 novas medidas protecionistas foram
implementadas de junho de 2012 até hoje. Os dois últimos trimestres superaram,
com folga, o número de medidas deste tipo em qualquer trimestre anterior desde
2008 – inclusive o recordista deles até então, o primeiro de 2009, no auge da
crise.
O
Brasil, embora não esteja entre os piores alunos da classe, também contribuiu
para esses números, com 80 medidas desde que a crise começou – só para
comparar, na Argentina foram 185. Parte delas, vale ressaltar, são de defesa
comercial e não são, necessariamente, protecionistas. Medidas antidumping, de salvaguarda
e compensatórias, que estão amparadas pelos acordos da OMC, são ações legítimas
para deter a concorrência desleal, sempre que aplicadas respeitando os
requisitos estabelecidos por essas regras. O protecionismo pode ter várias
caras, e a mais perigosa delas é a que não se enquadra nesse tipo de ação,
ocorrendo de forma disfarçada – categoria que representa mais de 60% das
políticas adotadas, segundo o mesmo estudo.
O mais
importante, no entanto, é tentar entender o que justificaria o protecionismo e,
mais ainda, se este compensa, pensando, sobretudo, no caso brasileiro.
O
paradigma clássico para a proteção comercial, que é o da preservação das indústrias
nascentes, parece não se aplicar a nossa situação, onde a necessidade de
proteção tem sido vista de forma mais ampla, e em um primeiro momento,
inclusive, tinha como principal justificativa a excessiva valorização do real –
sem dúvida, a OMC irá precisar em algum momento tratar da questão cambial, pois
ela põe em risco todos os compromissos acordados, ao tornar pouco realistas os
tetos e alíquotas anteriormente negociados.
O fato
é que, justificável ou não, o protecionismo tem efeitos nocivos que devem ser
considerados.
No
plano internacional, políticas protecionistas implementadas por um determinado
país podem contribuir para uma perigosa retração do comércio, com graves perdas
econômicas para todos. É o que vem acontecendo, e 2012 foi o segundo pior ano
para o comércio internacional em mais de 30 anos – superado, apenas, por 2009,
segundo dados recentemente divulgados pela OMC. Podem, ainda, acarretar reações
específicas que prejudicariam diretamente os produtores domésticos. A adoção de
uma margem de preferência para empresas nacionais nas compras governamentais,
por exemplo, pode gerar retaliações de outros países que, ao aplicarem o mesmo
princípio, dificultariam a participação, em seus processos de compras, das
empresas daquele país que originalmente adotou a medida.
Internamente,
a proteção excessiva leva a perda de competitividade e diminuição do bem-estar
geral da população. O protecionismo pode estar atendendo aos anseios de apenas uma
parte ineficiente do setor produtivo, em detrimento da sociedade – que arca com
a inflação de preços – ou do setor produtivo como um todo. Além disso, penalizar
as importações – que caíram 2% no Brasil em 2012, segundo a OMC – pode causar
um aumento no preço de insumos necessários à produção, o que torna nossa
economia menos competitiva também nas exportações. Seria um tiro no pé para um
país que já exporta pouco – segundo o mesmo levantamento, continuamos em 22º
lugar, com participação de apenas 1,3% das exportações mundiais. Em 2012, as
vendas brasileiras para o exterior sofreram uma redução de 5% em relação ao ano
anterior, situação que pode ser atribuída, em grande parte, à crise na Europa –
grande importadora – e à queda nos preços das commodities, mas que, certamente, não se beneficia da ausência de
novos acordos de livre comércio e dos entraves à produção em nosso país.
Quanto
a este último fator, nunca é demais lembrar que de nada adiantam ações
emergenciais sem se preocupar em consertar as graves deficiências estruturais –
cuja lista é bem conhecida – que estão na raiz das dificuldades sofridas pela
indústria. Sem isso, voltaremos a cometer velhos erros. Historicamente, o
protecionismo atrasou o desenvolvimento tecnológico do país, pela reserva de
informática dos anos 1970, e gerou uma indústria automobilística que ganhou a
fama de produzir carroças. No setor de brinquedos, embora salvaguardas tenham
sido implantadas na década de 1990, os importados hoje representam 70% do
mercado doméstico e os empresários nacionais continuam reclamando, uma vez que
aquelas medidas não foram acompanhadas de políticas de longo prazo que lhes permitissem
concorrer de igual para igual com as empresas estrangeiras.
Logo, apenas limitar a concorrência não resolve o
problema. Eventuais medidas de proteção devem vir acompanhadas de ações
consistentes para combater nossa ineficiência – a qual, diferentemente do que ocorria
até pouco tempo atrás, não é mais ocultada pela alta no preço das commodities. O rei está nu, e as
previsões sombrias da OMC para o comércio internacional nos próximos anos nos
obrigam a promover com urgência a nossa competitividade.
Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 8 de julho de 2013 - p. A12