terça-feira, 18 de junho de 2013

O Brasil acordou. E agora?

 




Uma wiki-revolução brasileira?
 
 
Indignados, enfim. O Brasil parece ter entrado na era das “wiki-revoluções”. No que isso vai dar?
 

Brasília, Congresso Nacional, 17 de junho de 2013
“Wiki” é o termo usado para designar um tipo de software que permite a edição coletiva de documentos em rede (como a Wikipedia). Como as revoltas ocorridas nos últimos anos têm características parecidas com as desses programas – são espontâneas, descentralizadas e baseadas na tecnologia –, estas têm sido denominadas “wiki-revoluções” por alguns autores, como Manuel Castells. (2011 – ver referências abaixo).
 
 
Essas revoltas usam a internet como canal para sua organização e expressão e levam as pessoas a coincidir em um momento e lugar determinados, obtendo impacto nos meios de comunicação e pressionando as instituições graças à repercussão desse impacto junto à opinião pública (Castells, 2001).
 
Pois bem, as manifestações que tomaram as ruas do Brasil seguem essas características, assemelhando-se à Primavera Árabe no Oriente Médio e norte da África, ao movimento dos Indignados na Espanha e ao Occupy Wall Street” nos Estados Unidos.
 
Aqui, assim como lá, sites e redes sociais foram utilizados para a convocação de protestos e intercâmbio de informações. As páginas do Facebook, contas do Twitter e o YouTube serviram, também, para publicar e repercutir fotos e vídeos da repressão, feitos por meio de câmeras de telefones celulares pelos próprios manifestantes – fotos e vídeos estes que alimentaram os meios de comunicação tradicionais, amplificando ainda mais seu efeito.
 
“Saímos do Facebook”, diziam algumas das faixas dos manifestantes. 81% se informaram dos atos por meio dessa rede social e, no total, 85% dos presentes buscaram informações pela internet, o que levou a 79 milhões de compartilhamentos sobre os protestos em diversos sites, apenas no dia de ontem (Folha de S.Paulo; O Estado de S. Paulo).
 
Aqui, também, o movimento se caracteriza por sua descentralização e ausência de líderes. “O povo, unido, não precisa de partido” foi um dos gritos de guerra adotados e, das 65 mil pessoas que participaram da manifestação em São Paulo, 84% declararam não ter preferência partidária.
 
Porém, se as características do movimento daqui são parecidas com as dos de lá, há também diferenças entre eles. Comparando, então, o que esperar das manifestações brasileiras?
 
A Primavera Árabe tinha o objetivo de depor ditadores há décadas no poder. Ter uma meta clara aumenta as chances de que a revolta tenha resultados concretos – como ocorreu na Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen. Isso torna esses movimentos mais parecidos com outros que tivemos por aqui tempos atrás, como o das “Diretas Já” e o “Fora Collor” – ambos descentralizados ou, ao menos, com múltiplas lideranças, porém com objetivos bem definidos e atingidos.
 
Ora, embora seja verdade que as manifestações atuais tenham se iniciado a partir das reivindicações práticas (e justificadas) do Movimento Passe Livre, todos sabem que estas só ganharam força quando se transformaram em um grito de protesto contra “tudo o que está aí”: uma insatisfação generalizada para com uma classe política majoritariamente corrupta e incompetente e instituições incapazes de fornecer serviços públicos com a mínima qualidade.
 
Isso torna o movimento brasileiro mais parecido com o espanhol, que reclamava da incapacidade do governo em lidar com a crise e o desemprego, e o norte-americano, cujo lema era que os 99% da população não estariam representados pelo 1% que comandava (comanda) o país em benefício próprio.
 
Qual foi o resultado destes últimos movimentos? Em ambos os países, não houve maiores mudanças no “sistema”.
 
O risco de um movimento contra tudo e contra todos é esse. A falta de propostas sobre o que deve ser construído no lugar do que se quer derrubar pode esvaziar as manifestações ou torná-la apenas um jeito violento de desopilar nossas frustrações – o que seria o pior caminho a seguir. Ninguém sabe muito bem como transformar a mobilização em ações práticas – e este post não tem a pretensão de ir além de um simples início de conversa.
 
O que se poderia fazer, então, para evitar que a indignação demonstrada nos últimos protestos não tenha nenhum resultado?
 
Um caminho possível é o de transformar esse movimento em uma luta pelo aperfeiçoamento de nossa democracia, aumentando a participação direta da população a fim de evitar que atos e projetos contra o interesse público (a lista é imensa e crescente) sejam aprovados. Ir pra rua é legal e é ótimo instrumento de pressão, mas precisamos encontrar meios para que os cidadãos sejam ouvidos com maior frequência, de forma mais institucionalizada.
 
Isso é viável?
 
A resposta pode estar na revolução tecnológica. Não devemos subestimar o que acontece hoje na internet. É tão ou mais importante do que ocorre nas ruas.


Atualmente, há canais para que um novo tipo de democracia, mais participativa, comece a ganhar corpo. A esfera pública de nosso tempo se baseia, em grande parte, como observa Castells, em nosso sistema de comunicações. O ciberespaço se transformou em uma "ágora eletrônica global", onde as pessoas se encontram para expressar suas preocupações e compartilhar suas esperanças, onde "a diversidade do decontentamento humano explode em uma cacofonia de sotaques" (Castells, 2001).
 
 
Redistribuir o poder hoje concentrado nas mãos dos políticos tradicionais, transferindo parte das decisões para os cidadãos reunidos na cada vez mais populosa “praça virtual” da internet, pode ser uma boa maneira de reformar um sistema político que se mostra, nitidamente, desgastado.
 
Claro que essa ideia levaria tempo para ser implementada e depende, ela mesma, do desenvolvimento de controles que assegurem a legitimidade e transparência desses processos de decisão. Porém, considerando que não se pode simplesmente acabar com “tudo que está aí” sem ter o que por no lugar, por que não começar já a pensar nela?
 
Ainda não dá para responder que rumos os protestos atuais irão tomar. Eles podem não dar em nada. Eles podem resultar em uma vitória pontual na área do transporte. Eles podem significar a futura troca de um governante por outro (o que hoje significa, normalmente, trocar 6 por meia dúzia). Mas se a indignação ganhar corpo e persistir, podemos estar assistindo ao momento em que foi plantada a semente de um novo modelo de democracia no Brasil.
 
Quem sabe?
 
 

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CASTELLS, Manuel. La wikirrevolución del jazmín. La Vanguardia, 29 jan. 2011.
 
CASTELLS, Manuel. La Galaxia Internet. Barcelona: Areté (Plaza & Janés), 2001.

CASTELLS, Manuel. Global Governance and Global Politics. The 2004 Ithiel de Sola Pool Lecture: American Political Science Association Annual Meeting. Political Science & Politics, v. 38, nº 1, p. 9-16, 2005.


Folha de S. Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/114598-ao-menos-65-mil-protestam-nas-ruas-de-sao-paulo.shtml
 
O Estado de S.Paulo, “Pelas redes sociais, 79 milhões de pessoas falando de um tema”, 18/06/2013, p. A15.


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Artigo - jornal Hoje em Dia - 31/05/13


A Aliança do Pacífico e o Brasil


No dia 23 de maio encerrou-se a VII Cúpula da Aliança do Pacífico, bloco fundado em 2011 por Chile, Colômbia, México e Peru que começa a chamar a atenção, principalmente quando comparado ao combalido Mercosul.
Reunindo países com governos dos mais liberais do continente – no caso do Peru, a iniciativa de se juntar ao grupo se deve ao presidente anterior, Alan García – a Aliança pretende eliminar até o final de junho 90% das tarifas de importação dos produtos comercializados entre seus membros. Já conta com dezesseis Estados observadores, como a Costa Rica – que se unirá à Aliança – Panamá, Espanha, Canadá, Japão e até mesmo o Paraguai, ainda suspenso do Mercosul.
Juntos, os quatro países fundadores têm população superior a 200 milhões de habitantes, com PIB de mais de 2 trilhões de dólares – o que equivale a 35% da riqueza da América Latina – e respondem por mais de 55% das exportações da região. Caso fossem um único país, formariam a 9ª maior economia mundial.
Diferentemente do Mercosul que, por ser uma união aduaneira, depende do consenso entre seus membros para assinar novos acordos com concessões tarifárias, a Aliança do Pacífico se caracteriza como zona de livre comércio, o que permite que seus países celebrem esse tipo de acordo individualmente.
O resultado disso? O Mercosul assinou apenas 3 acordos de livre comércio desde sua criação, enquanto o Chile tem 21 desses acordos, o Peru 12, o México 13 e a Colômbia 11. Coincidentemente ou não, os países da Aliança têm se destacado por sua taxa de crescimento econômico. Enquanto a América Latina cresceu 3,1% em 2012, o Chile cresceu 5,5%, o Peru 6,3%, o México 3,5% e a Colômbia 4,8%.
O Brasil deveria se preocupar. A Aliança do Pacífico está inserida no contexto mais amplo do surgimento de novos acordos de livre comércio bilaterais e regionais que vão além das simples concessões comerciais, estabelecendo, também, regras sobre propriedade intelectual, compras governamentais, serviços e proteção aos investimentos. Ficar de fora desses acordos não apenas prejudica a competitividade de nossas empresas, que deixam de ter preferências tarifárias, mas nos afasta da negociação daquelas regras, que podem vir a se tornar padrão mundial sem que tenhamos participado de sua criação.

Publicado no jornal Hoje em Dia (MG) em 31 de maio de 2013, p. 14.