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segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Retrospectiva 2016 - Conjur - 23/12/16

O Despertar das Forças Antiglobalização marcou o ano de 2016
Eduardo Felipe Matias

O ano que se encerra foi bem diferente para cada uma das três principais tendências que vêm moldando o mundo nas últimas décadas: globalização, sustentabilidade e inovação tecnológica.
A inovação, nem seria preciso dizer, pois faz cada vez mais parte de nosso dia-a-dia, continua transformando diversos setores por meio de uma onda de empreendedorismo que, apoiada em novas tecnologias e em conceitos como o de economia compartilhada, vem revolucionando nossa sociedade e economia.
A sustentabilidade viveu neste ano um bom momento, em especial graças à entrada em vigor do Acordo de Paris sobre o clima, um marco no reconhecimento da interdependência entre as nações. Já a globalização sofreu com discursos e atitudes protecionistas, nacionalistas e xenófobas.
Com o foco nessas tendências, procuraremos entender como se deu o embate entre cooperação internacional e isolacionismo em 2016. Um ano em que “surreal” e “pós-verdade” foram escolhidas as palavras que marcaram o período – e, como veremos, não foi para menos.

Um ano surreal – Europa e crise dos refugiados
A vitória de Trump e os atentados terroristas de 2016 motivaram as buscas pelo significado de “surreal”, cuja definição é "marcado pela intensa realidade irracional de um sonho", fazendo que esse fosse selecionado o termo do ano pelo dicionário Merriam-Webster
Antes da eleição norte-americana, no entanto, prenúncios de que os ventos antiglobalização soprariam forte em 2016 vieram da Grã-Bretanha. Em junho, um plebiscito para decidir se o Reino Unido deveria ou não se retirar da União Europeia (UE) revelou que inesperados 52% dos eleitores eram a favor do “Brexit” – a saída do país do bloco que, até então, nunca havia visto nenhum de seus membros tomar decisão semelhante.  
Após a divulgação do resultado, o primeiro-ministro David Cameron, que apoiava a permanência na UE e até agora deve estar se perguntando por que propôs o plebiscito, teve de renunciar ao cargo, sendo substituído por Theresa May. Caberá agora ao Reino Unido acionar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que prevê um processo de 2 anos de negociação para retirada voluntária e unilateral do bloco.
O Brexit se explica, em boa parte, por sentimentos xenófobos que ganharam força em toda Europa em 2016, reforçados por novos atentados terroristas e pelo prolongamento da crise dos refugiados provenientes de conflitos no Oriente Médio e na África.
Atos terroristas – muitos deles reivindicados pelo grupo Estado Islâmico – voltaram a assombrar diversas cidades neste ano, como Istambul, Lahore, Daca, Cairo, Bagdá e, na Europa, Bruxelas, Nice e Berlim.
Assim como o terror dos atentados, o horror da crise dos refugiados parece longe do fim. Esta segue sendo abastecida por conflitos sangrentos como aqueles na Somália, Afeganistão, Iraque e Síria, onde a guerra já dura mais de 5 anos e teve como desdobramento mais recente a violenta tomada de Alepo pelas forças do ditador Bashar al-Assad, com o apoio do Irã e da Rússia. Vladimir Putin aumenta com isso sua influência na região, o que não deve acontecer sem provocar efeitos colaterais, caso do recente assassinato em Ancara do embaixador russo na Turquia por um atirador aparentemente motivado em se vingar da ação russa em Alepo.
5 milhões de pessoas já tiveram que deixar a Síria, contribuindo para o número recorde de mais de 21 milhões de refugiados ao redor do mundo. Esse é um drama cuja solução depende de ação mais incisiva da ONU, o que talvez passe a ocorrer em 2017, quando o português António Guterres, que durante dez anos ocupou o posto de alto-comissário da agência para refugiados (ACNUR) assumirá a Secretaria Geral da organização.
Ainda que o fluxo crescente de refugiados cause temor nos cidadãos europeus, na verdade são outros países, como Turquia, Irã, Líbano e Paquistão, que absorvem o maior número deles.
Turquia, em particular, é um ator importante nesse cenário, sendo o país que hoje abriga o maior número de refugiados: por volta de 3 milhões, dos quais aproximadamente 2,5 milhões são sírios. Em 2016, a UE chegou a um acordo com a Turquia para que esta, em troca de ajuda financeira, receba de volta migrantes em situação irregular. Porém, em junho, uma tentativa de golpe de Estado contra o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, seguida de um endurecimento da repressão à oposição promovido pelo governo, acabou abalando a relação com a UE. Em novembro, o Parlamento Europeu votou pela suspensão temporária das negociações de entrada da Turquia no bloco, o que levou Erdogan a ameaçar abrir as fronteiras turcas para permitir a passagem de migrantes rumo a Europa.
Enquanto isso, partidos nacionalistas, populistas e xenófobos, muitos deles contrários à integração europeia e favoráveis a um referendo como o do Reino Unido – continuam ganhando espaço.
Isso preocupa na Holanda e na França, por exemplo, que terão eleições em 2017 assim como, possivelmente, a Itália, onde há pressão para convocação de eleições antecipadas após a renúncia do primeiro-ministro Matteo Renzi, depois que este – em outro caso neste ano de tiro no pé político – condicionou sua permanência no governo a ganhar o referendo do qual saiu derrotado, que visava aprovar uma reforma constitucional para, entre outras medidas, reduzir a função legislativa do Senado.
Na Alemanha, país da UE que mais recebe pedidos de asilo, a chanceler Angela Merkel está com sua reeleição no ano que vem em risco, pois sua atitude liberal e, por que não dizer, de uma solidariedade rara hoje em dia em relação à imigração é ainda mais questionada por conta dos atentados deste ano naquele país, alguns deles cometidos por refugiados. Ao menos na Áustria, agora em dezembro, o candidato da extrema-direita, Norbert Hofer, foi derrotado na eleição presidencial pelo ecologista Alexander Van der Bellen.

A ameaça de Trump 
O novo ano começa sob a sombra de Donald Trump. Eleito em 8 de novembro por ter somado mais votos no colégio eleitoral – ainda que tenha obtido um número total de votos inferior ao de sua adversária, a democrata Hillary Clinton –, o empresário bilionário será o 45º presidente dos Estados Unidos da América.
A campanha, em si, com atuação intensa de bots e trolls disseminando nas redes sociais mentiras e opiniões infundadas, reforçou a tendência que levou o dicionário Oxford a escolher a outra palavra do ano: “pós-verdade”, que significa "relativo a ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos influenciam menos na formação da opinião pública do que apelos à emoção ou à crença pessoal".
Com promessas como construir um muro entre seu país e o México, Trump atingiu em cheio os anseios de parte do eleitorado afetada pela imigração, pela abertura das fronteiras para produtos asiáticos, pela fuga de empresas para o exterior e pela revolução tecnológica, todos eles causa de desemprego em alguns Estados americanos que ajudaram a eleger o republicano.
2017 pode ser um ano difícil para a cooperação internacional, se levarmos a sério todas as declarações de Trump no período eleitoral.
Este pôs em dúvida, por exemplo, o papel de seu país na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), cobrando que as nações europeias e asiáticas da aliança cumpram seus compromissos de investimento em defesa, caso contrário os Estados Unidos não se sentiriam obrigados a protegê-los como prevê o acordo.
Cuba – onde morreu neste ano Fidel Castro – também deverá sofrer as consequências da vitória de Trump. Esta não deverá ajudar em nada a aproximação que vinha sendo liderada por Barack Obama que, neste ano, nomeou o primeiro embaixador dos Estados Unidos em Havana após mais de 50 anos de relações diplomáticas rompidas e foi primeiro o presidente americano a visitar aquele país em quase um século.
O relacionamento com o Irã deverá piorar, igualmente. Trump afirmou por diversas vezes que considera “desastroso” e pretende anular o Plano de Ação Conjunto Global assinado em 2015 entre aquele país e Estados Unidos, China, França, Reino Unido, Rússia e Alemanha para garantir que o programa nuclear iraniano seja usado apenas para fins pacíficos. Ainda que a Agência Internacional de Energia Atômica tenha constatado no início de 2016 que o Irã havia cumprido os termos do acordo e que as sanções econômicas a ele impostas pela ONU deveriam ser levantadas, a tensão voltou a aumentar agora no final do ano pela decisão do Senado dos Estados Unidos de prorrogar por mais dez anos algumas das sanções americanas ao Irã.  
Por fim, das três tendências anteriormente mencionadas, a globalização é aquela que mais parece incomodar Trump, que insinua poder entrar em guerra comercial com a China e já deixou claro que, no que depender dele, não há qualquer esperança de que os Estados Unidos efetivem dois acordos de livre comércio que já foram abordados neste espaço em anos anteriores. O primeiro deles é o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP na sigla em inglês), que vinha sendo negociado com a UE. O outro é a Parceria Transpacífica (TPP na sigla em inglês), que foi assinada no começo do ano por 12 países banhados por aquele oceano e aguarda a finalização dos processos de ratificação para entrar em vigor.   

Comércio Internacional, OMC e América Latina
As convicções do novo presidente norte-americano certamente não colaborarão para uma retomada do comércio internacional, o qual vem se arrastando desde a crise financeira internacional de 2008 e que, afetado por medidas protecionistas, têm crescido menos até do que o PIB mundial.
Naquela que exerce a função de “xerife” contra o protecionismo, a Organização Mundial do Comércio (OMC) – que, diferentemente do ano passado, em 2016 não apresentou resultados relevantes em termos de acordos comerciais – duas disputas que seguirão 2017 adentro chamaram a atenção. A primeira delas, em ação movida por Japão e UE, foi a condenação, ainda em fase preliminar, de políticas industriais brasileiras de incentivo fiscal voltadas para os setores de tecnologia, telecomunicações e automóveis, como a Lei de Informática e o programa Inovar-Auto, as quais afetariam de forma injusta as empresas estrangeiras.
A outra foi iniciada pela China que, no final deste ano, iniciou processo de consultas na OMC contra os Estados Unidos e a UE, questionando as metodologias de cálculo por estes utilizadas em procedimentos antidumping. A China exige ser reconhecida por ambos como economia de mercado – alegando que isso deveria ocorrer agora que se completa o prazo de 15 anos de sua adesão à OMC – a fim de evitar que medidas mais elevadas continuem sendo aplicadas às suas exportações.
Na América Latina, o Peru elegeu presidente o economista Pedro Pablo Kuczynski e a Venezuela de Nicolás Maduro mergulha cada vez mais em um abismo social e econômico, terminando 2016 com queda de 10% do PIB e inflação de mais de 700%. Por não atender as obrigações previstas no protocolo de sua adesão ao Mercosul – dos 57 acordos estabelecidos, o país teria cumprido apenas 16 –, a Venezuela foi suspensa do bloco no final do ano.
A melhor notícia na região veio da Colômbia, terra do realismo fantástico, que quase contribuiu para este ano com mais um evento surreal. Em outubro, o povo colombiano surpreendeu o mundo ao decidir, por pequena margem, não referendar o acordo de paz entre o governo e os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), dias antes de o presidente Juan Manuel Santos receber o Prêmio Nobel da Paz por esse processo. Felizmente, ao final, prevaleceu a razão. Em novembro, as partes reabriram as negociações e firmaram um novo acordo, ratificado pelo Congresso.

Uma Nova Esperança para o Clima
Acordo de Paris sobre o clima entrou em vigor em novembro de 2016, ao atingir, em tempo recorde, o número de ratificações necessárias – 55 países responsáveis por ao menos 55% do total de emissões globais de gases de efeito estufa – para que começasse a valer, o que era esperado acontecer só em 2020.
Até o final do ano, 118 países, representando mais de 80% das emissões mundiais, o haviam ratificado, o que confirma o caráter global do acordo, cujas características, baseadas no tripé ambição-revisão-transparência (analisadas neste espaço na Retrospectiva 2015), fazem com que este possa ter um peso relevante na luta contra o aumento da temperatura no Planeta.
Outra contribuição para o combate às mudanças climáticas veio da emenda ao Protocolo de Montreal sobre a Camada de Ozônio, de 1987, assinada em outubro em Kigali, capital de Ruanda. Esta prevê o compromisso de redução do consumo e da produção dos hidrofluorcarbonos (HFCs), gases usados para refrigeração e ar-condicionado que, embora não prejudiquem a camada de ozônio, causam o efeito estufa.
Por fim, em novembro, na cidade de Marrakesh, no Marrocos, ocorreu a 22ª Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU (COP-22), na qual começou-se a discutir a regulamentação e implementação do Acordo de Paris.
Como não poderia deixar de ser, esse encontro foi tomado pelo susto com a eleição de Donald Trump que, no passado, chegou a “tuitar” que o aquecimento global seria uma farsa criada pelos chineses para tornar o setor manufatureiro americano não competitivo. A ascensão ao poder de um negacionista da mudança climática, que prometeu reduzir regulações ambientais para ajudar os setores de petróleo, gás e carvão e chegou a afirmar durante a campanha que retiraria seu país do Acordo de Paris – o que, pelas regras do próprio documento, não pode ser feito em menos de 3 anos – é, sem dúvida, uma notícia preocupante. Esta, ao menos, foi compensada pela reação de outras nações, como a China, que reafirmaram seu compromisso com a causa.

Conclusão
A globalização tem um lado escuro, e este prevaleceu em 2016. O ritmo das mudanças trazidas pela abertura dos mercados e pela inovação tecnológica deixou boa parte da sociedade para trás – e essas pessoas resolveram mandar uma mensagem neste ano.
Vale a pena ouvir esse recado, porque está demonstrado que, sem controle, a globalização tende a causar sérios desvios, como crises financeiras e aumento da desigualdade. Isso não significa abandoná-la, abrindo mão de seus benefícios, que não são apenas econômicos. Colocar-se simplesmente contra a globalização seria o mesmo que adotar uma postura ludita em relação à revolução tecnológica, deixando de lado tudo que ela pode trazer de positivo – inclusive para a solução de alguns desafios comuns a toda a humanidade, como as mudanças climáticas.
A maior parte dos problemas aqui tratados somente se resolverá por meio da aceitação da nossa interdependência. Precisamos de mais cooperação internacional, e não menos. 
2016, como vimos, foi surreal. Agora é torcer para que 2017, com partidos xenofóbicos avançando na Europa e Trump no poder, não venha a se tornar, mais do que um ano “marcado pela intensa realidade irracional de um sonho”, um verdadeiro pesadelo.


Publicado originalmente no site Consultor Jurídico em 23 de dezembro de 2016:

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Entrevista - Rádio Estadão - 14/09/15

Brasil é o país mais fechado do G20

Minha entrevista para a Radio Estadão sobre a recente pesquisa da International Chamber of Commerce (ICC) que mostra o Brasil como o país mais fechado do G20 e que conclui ainda que, mesmo com as promessas de habilitar o comércio exterior como motor de crescimento e gerador de empregos, as economias do G20 não estão conseguindo demonstrar liderança global na abertura comercial:

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Artigo - Valor Econômico - 08/07/13

protecionismo em alta

Se crises econômicas costumam provocar protecionismo, grandes crises econômicas tendem a causar grande aumento no protecionismo. Desde 2008, o mundo assiste a uma escalada na adoção de medidas restritivas, que se aliam às dificuldades financeiras causadas pela crise para derrubar o comércio internacional. E, ao contrário do que se poderia imaginar, cinco anos depois, esta escalada vem se acelerando, com graves consequências tanto globais quanto para os países que seguirem este caminho.
Estudo recente da Global Trade Alert mostra que 431 novas medidas protecionistas foram implementadas de junho de 2012 até hoje. Os dois últimos trimestres superaram, com folga, o número de medidas deste tipo em qualquer trimestre anterior desde 2008 – inclusive o recordista deles até então, o primeiro de 2009, no auge da crise.
O Brasil, embora não esteja entre os piores alunos da classe, também contribuiu para esses números, com 80 medidas desde que a crise começou – só para comparar, na Argentina foram 185. Parte delas, vale ressaltar, são de defesa comercial e não são, necessariamente, protecionistas. Medidas antidumping, de salvaguarda e compensatórias, que estão amparadas pelos acordos da OMC, são ações legítimas para deter a concorrência desleal, sempre que aplicadas respeitando os requisitos estabelecidos por essas regras. O protecionismo pode ter várias caras, e a mais perigosa delas é a que não se enquadra nesse tipo de ação, ocorrendo de forma disfarçada – categoria que representa mais de 60% das políticas adotadas, segundo o mesmo estudo.
O mais importante, no entanto, é tentar entender o que justificaria o protecionismo e, mais ainda, se este compensa, pensando, sobretudo, no caso brasileiro.
O paradigma clássico para a proteção comercial, que é o da preservação das indústrias nascentes, parece não se aplicar a nossa situação, onde a necessidade de proteção tem sido vista de forma mais ampla, e em um primeiro momento, inclusive, tinha como principal justificativa a excessiva valorização do real – sem dúvida, a OMC irá precisar em algum momento tratar da questão cambial, pois ela põe em risco todos os compromissos acordados, ao tornar pouco realistas os tetos e alíquotas anteriormente negociados.
O fato é que, justificável ou não, o protecionismo tem efeitos nocivos que devem ser considerados.
No plano internacional, políticas protecionistas implementadas por um determinado país podem contribuir para uma perigosa retração do comércio, com graves perdas econômicas para todos. É o que vem acontecendo, e 2012 foi o segundo pior ano para o comércio internacional em mais de 30 anos – superado, apenas, por 2009, segundo dados recentemente divulgados pela OMC. Podem, ainda, acarretar reações específicas que prejudicariam diretamente os produtores domésticos. A adoção de uma margem de preferência para empresas nacionais nas compras governamentais, por exemplo, pode gerar retaliações de outros países que, ao aplicarem o mesmo princípio, dificultariam a participação, em seus processos de compras, das empresas daquele país que originalmente adotou a medida.
Internamente, a proteção excessiva leva a perda de competitividade e diminuição do bem-estar geral da população. O protecionismo pode estar atendendo aos anseios de apenas uma parte ineficiente do setor produtivo, em detrimento da sociedade – que arca com a inflação de preços – ou do setor produtivo como um todo. Além disso, penalizar as importações – que caíram 2% no Brasil em 2012, segundo a OMC – pode causar um aumento no preço de insumos necessários à produção, o que torna nossa economia menos competitiva também nas exportações. Seria um tiro no pé para um país que já exporta pouco – segundo o mesmo levantamento, continuamos em 22º lugar, com participação de apenas 1,3% das exportações mundiais. Em 2012, as vendas brasileiras para o exterior sofreram uma redução de 5% em relação ao ano anterior, situação que pode ser atribuída, em grande parte, à crise na Europa – grande importadora – e à queda nos preços das commodities, mas que, certamente, não se beneficia da ausência de novos acordos de livre comércio e dos entraves à produção em nosso país.
Quanto a este último fator, nunca é demais lembrar que de nada adiantam ações emergenciais sem se preocupar em consertar as graves deficiências estruturais – cuja lista é bem conhecida – que estão na raiz das dificuldades sofridas pela indústria. Sem isso, voltaremos a cometer velhos erros. Historicamente, o protecionismo atrasou o desenvolvimento tecnológico do país, pela reserva de informática dos anos 1970, e gerou uma indústria automobilística que ganhou a fama de produzir carroças. No setor de brinquedos, embora salvaguardas tenham sido implantadas na década de 1990, os importados hoje representam 70% do mercado doméstico e os empresários nacionais continuam reclamando, uma vez que aquelas medidas não foram acompanhadas de políticas de longo prazo que lhes permitissem concorrer de igual para igual com as empresas estrangeiras.
Logo, apenas limitar a concorrência não resolve o problema. Eventuais medidas de proteção devem vir acompanhadas de ações consistentes para combater nossa ineficiência – a qual, diferentemente do que ocorria até pouco tempo atrás, não é mais ocultada pela alta no preço das commodities. O rei está nu, e as previsões sombrias da OMC para o comércio internacional nos próximos anos nos obrigam a promover com urgência a nossa competitividade.

Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 8 de julho de 2013 - p. A12

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Perigos do Protecionismo - Artigo - Maio 2012

os perigos do protecionismo
Eduardo Felipe P. Matias

Se crises econômicas costumam provocar protecionismo, grandes crises econômicas tendem a causar grande aumento no protecionismo. Desde 2008, a maioria dos países tem se dedicado a recuperar suas economias e a lutar contra os efeitos nocivos da maior crise das últimas décadas. A pouca paciência de governantes e eleitores por soluções de médio e longo prazos estimula a lógica do “cada um por si” que leva, quase inevitavelmente, a medidas paliativas de caráter protecionista, nem sempre adequadas.
O Brasil, durante esse período, não fugiu à regra. Desde 2008, o País vem criando, em média, uma nova barreira a cada quinze dias, o que contribuiu para alçá-lo, no final de 2011, à posição de economia mais fechada do G-20, segundo levantamento realizado pela Câmara Internacional de Comércio.
Vale fazer uma ressalva. O protecionismo é uma atitude negativa para com a abertura comercial e as importações em geral, amparado em medidas que beneficiam a produção doméstica em detrimento de competidores estrangeiros. Parte das ações adotadas pelo governo brasileiro, no entanto, são de defesa comercial, e não necessariamente protecionistas. É o caso de medidas antidumping, que procuram evitar que produtores nacionais sejam prejudicados por importações realizadas a preços inferiores àqueles praticados para o produto similar na venda para consumo interno no país exportador. Isso vale também para medidas de salvaguarda, utilizadas quando o aumento no fluxo das importações de determinado produto cause, ou ameace causar, prejuízo grave aos produtores domésticos daquele setor, e para as medidas compensatórias, que têm como objetivo compensar certos tipos de subsídio concedidos pelo país exportador que causem dano à indústria doméstica. Todas essas medidas estão amparadas pelos acordos da Organização Mundial do Comércio e, desde que aplicadas respeitando-se os requisitos estabelecidos por essas regras, afiguram-se legítimas para deter a concorrência desleal.
Por isso, vale analisar cada uma das ações adotadas, caso a caso. Isso se aplica às medidas de defesa comercial, mas também às outras políticas. No caso do pacote recentemente anunciado pelo Governo Federal, por exemplo, uma das medidas é a cobrança do PIS e da COFINS sobre produtos importados, de forma a compensar a desoneração da folha de pagamento que foi oferecida a quinze setores industriais. Dependendo de como for aplicada, essa cobrança pode ser questionada, já que um dos princípios fundamentais das regras da OMC é o do “tratamento nacional”, que impede o tratamento diferenciado entre produtos nacionais e importados, com o objetivo de discriminar os últimos.
Cabe então perguntar o que justificaria o protecionismo, e mais importante ainda, se este compensa.
O paradigma clássico para a proteção comercial, que é o da preservação das indústrias nascentes, parece não se aplicar ao caso brasileiro. Aqui, a necessidade de proteção tem sido vista de forma mais ampla, tendo como principal justificativa a excessiva valorização do real. É verdade que a OMC precisará, em algum momento, tratar dessa questão cambial, pois ela coloca em risco todos os compromissos acordados naquela organização, ao tornar pouco realistas os tetos e alíquotas anteriormente negociados. Quando essa variação se deve a uma subvalorização proposital da moeda, por parte de alguns países, deveria ser impedida, por equivaler a um subsídio às exportações.
O protecionismo, no entanto, justificável ou não, é um tiro que pode sair pela culatra.
No plano internacional, certas medidas podem não apenas contribuir para uma perigosa escalada do protecionismo e retração do comércio internacional, com graves perdas econômicas, mas também tendem a provocar medidas recíprocas que prejudicariam diretamente os produtores nacionais. Um exemplo é a nova margem de preferência de 25% que o Governo Federal pretende dar às empresas nacionais nas compras governamentais – medida que pode gerar retaliações de outros países que decidam adotar o mesmo princípio, atrapalhando as empresas brasileiras que quiserem atuar nesses processos de compras no exterior.
Internamente, a proteção excessiva leva à perda de competitividade e à diminuição do bem-estar geral da população. O protecionismo pode estar atendendo aos anseios de apenas uma parte ineficiente do setor produtivo, em detrimento da sociedade – que arca com a inflação de preços – ou do setor produtivo como um todo. Vale lembrar que penalizar as importações pode causar um aumento no preço de insumos necessários à produção, o que torna a nossa economia menos competitiva também nas exportações. Seria um “tiro no pé” para um país que já exporta pouco – segundo levantamento recente da OMC, continuamos em 22º lugar entre os exportadores de mercadorias, com participação de apenas 1,4% das exportações mundiais.
Além disso, de nada adianta adotar medidas emergenciais sem se preocupar em consertar as graves deficiências estruturais que estão na raiz das dificuldades enfrentadas pela indústria. Por isso, é fundamental que exista uma política de desenvolvimento industrial clara, que venha acompanhada de ações para diminuir impostos, revitalizar a infraestrutura, tornar o crédito mais barato, reduzir o valor dos insumos – o Brasil tem a terceira tarifa de energia elétrica mais cara do mundo –, investir em educação e em capacitação de mão de obra, entre outros itens de uma lista já bem conhecida.
Sem isso, voltaremos a cometer velhos erros. Historicamente, o protecionismo atrasou o desenvolvimento tecnológico do País, pela reserva de informática dos anos 1970, e gerou uma indústria automobilística que ganhou a fama de produzir carroças, pelo menos até a abertura do mercado. No setor de brinquedos, o Brasil implantou salvaguarda na década de 1990 para proteger a indústria nacional da avalanche de produtos chineses extremamente baratos. No entanto, essa ação não foi acompanhada por um planejamento de longo prazo, perdendo-se a oportunidade de implementação de uma estratégia para que, durante a salvaguarda, as empresas brasileiras se preparassem para competir de igual para igual com as estrangeiras. Hoje, os brinquedos importados representam 70% do mercado doméstico e os empresários locais continuam reclamando da disputa desigual. O mesmo ocorre com o setor automobilístico, que, apesar da proteção de que gozou no passado, volta a demandar amparo. Nesse sentido, as recentes medidas anunciadas para o setor ao menos mostram uma preocupação em atrelar o desconto no IPI das montadoras a investimentos em pesquisa e inovação, no monitoramento da eficiência energética e emissões de gases dos veículos.
Logo, apenas limitar a concorrência não resolve o problema. Ao contrário, pode protelar decisões importantes, favorecer a acomodação e gerar estagnação. Eventuais medidas de proteção devem vir acompanhadas de ações consistentes para fomentar a competitividade, evitando-se o risco de ter premiada a ineficiência e consolidada a falta de competência. 

Publicado na Revista Jurídica Consulex em 01/05/2012