quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Retrospectiva 2013 - Consultor Jurídico - 22/12/13

Acordos plurilaterais ganham força na governança global

Em 2013, a humanidade perdeu um dos grandes líderes de sua história, o sul-africano Nelson Mandela, e a América Latina ganhou seu primeiro Papa. Os Estados Unidos quase entraram em uma nova guerra – com a Síria – e o Irã assinou um acordo que pode impedir outra, se efetivamente levar ao controle de seu programa nuclear. A Primavera Árabe seguiu custando a florescer, mas manifestações com características semelhantes continuaram se espalhando por todo o mundo. Atentados terroristas despertaram menos atenção do que os métodos utilizados para preveni-los. O combate às mudanças climáticas continuou avançando a passos excessivamente lentos. E novos tratados de livre comércio começaram a ocupar o centro do palco, sinalizando uma nova ordem no comércio internacional, ainda que a Rodada Doha tenha voltado a respirar.
Vamos lembrar como foi o ano que está terminando, focando em alguns desses assuntos, sob uma perspectiva dos acertos e desacertos da cooperação internacional.

Espionagem e Ciberespaço
O ano foi marcado por alguns atentados terroristas – como aquele ocorrido na maratona de Boston, em abril, que chocou os Estados Unidos – mas o que foi mais discutido foram os métodos que esse país utiliza para se proteger de horríveis atos como esse. A descoberta da extensão da espionagem americana contribuiu para enfraquecer o “soft power” dos Estados Unidos até mesmo junto a seus aliados, prejudicando o espírito de cooperação que esses últimos poderiam ter para com as políticas daquele país – o que afeta, inclusive, o objetivo alegado da própria espionagem, que é o combate ao terrorismo.
As revelações do ex-técnico de informática da Agência de Segurança Nacional americana (NSA), Edward Snowden, de que aquele órgão monitora uma enorme quantidade de ligações telefônicas e e-mails de pessoas de vários países, inclusive de alguns chefes de Estado, foram um dos assuntos mais comentados do ano, levando a um debate sobre a governança da Internet.
A existência do ciberespaço implica uma perda de efetividade do poder dos Estados, que encontram dificuldades em regular localmente o que ocorre em um espaço que é global por excelência. Por exemplo, a lei norte-americana não permite que cidadãos daquele país sejam vigiados sem mandado judicial. Ironicamente, ao espionar e-mails de pessoas de diversos países em servidores espalhados ao redor do mundo, muito provavelmente a NSA acabou tendo acesso – sem mandado judicial – a informações de cidadãos norte-americanos. Isso mostra como, quando o assunto envolve a internet, mesmo os Estados Unidos têm dificuldade em fazer cumprir as suas leis – nesse caso, as de proteção à privacidade.
A sensação de que "há algo errado" com a governança da internet é agravada pelo fato de haver um país que sobressai nesse espaço, que são os próprios Estados Unidos. A principal instituição dessa governança é a ICANN (sigla em inglês para Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números), entidade sem fins lucrativos com sede na Califórnia, acusada de estar sujeita à influência do governo americano. Além disso, as principais empresas privadas do setor da informática também são daquele país – para comprovar isso, basta você, leitor, checar o aparelho, ou navegador, ou site de busca que utilizou para acessar este artigo.
Desse modo, o segundo problema da governança da internet refere-se à sua legitimidade. E as denúncias da espionagem realizada pela NSA só vieram piorar essa situação. Embora o rápido desenvolvimento da tecnologia tenha o efeito positivo de possibilitar maior acesso à informação e à comunicação, aumenta, também, a facilidade de interceptação e coleta de dados. A possibilidade de que uma agência de inteligência de um país tenha chances de monitorar uma quantidade imensa de mensagens privadas de cidadãos estrangeiros, sem que existam regras internacionais claras que protejam a privacidade e garantam a segurança no ambiente do ciberespaço, reforça a impressão de que a pouca governança que existe nesse domínio é também pouco legítima.
Com isso, surgiram em 2013 propostas de trazer para o âmbito da cooperação internacional esse espaço global que permanece relativamente desgovernado. Brasil e Alemanha apresentaram à Comissão de Direitos Humanos da ONU, no final do ano, projeto de Resolução que condena a espionagem, que foi votado e aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro.
O projeto propõe que sejam revisadas as práticas e legislações sobre a vigilância das comunicações, inclusive sobre a interceptação e coleta de informações em massa, prevendo que os países devem garantir o direito humano fundamental à privacidade. Para tanto, estabelece que sejam criados mecanismos independentes de supervisão, capazes de assegurar a transparência dos Estados e sua responsabilização em atividades relacionadas a essa vigilância.

Mudanças Climáticas
Outra grande área em que a cooperação internacional deixa a desejar é a do combate ao aquecimento global. Problema cuja resolução se torna cada vez mais urgente, o que ficou claro após a divulgação pelo IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), em setembro de 2013, da primeira parte do seu quinto relatório.
Nele, o Painel afirma haver 95% de certeza de que as mudanças climáticas estão sendo causadas por nós. O relatório afirma, ainda, que as três últimas décadas foram as mais quentes da história desde 1850, alertando para o aumento preocupante nas concentrações de gases de efeito estufa, para a acidificação dos oceanos, derretimento das geleiras e subida do nível dos oceanos.
A tentativa de formular uma resposta internacional a isso, como se sabe, vem sendo feita por meio de conferências anuais das partes signatárias da Convenção do Clima da ONU, as COPs.
Em novembro de 2013, aconteceu a COP-19, na cidade polonesa de Varsóvia. Nessa reunião, poucos avanços significativos foram obtidos. Um deles foi o conjunto de decisões envolvendo o mecanismo conhecido como Redd+ (sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), que prevê compensação financeira para os países em desenvolvimento que promovam cortes de emissões por meio do controle do desflorestamento e assegurem a conservação, o manejo sustentável e o aumento dos estoques de carbono nas florestas. Muitas questões relacionadas a esse mecanismo ainda precisam, no entanto, ser definidas, como a forma, as modalidades, os valores para pagamento por resultados e a garantia dos recursos necessários para incentivar os projetos de Redd em escala global.
A COP-19 adotou também o Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos, cujo objetivo é lidar com os prejuízos associados aos impactos das mudanças climáticas, incluindo eventos extremos e processos progressivos mais lentos em países em desenvolvimento particularmente vulneráveis. Apesar de reconhecer a necessidade de apoiar técnica e financeiramente os países afetados, não houve uma resolução clara sobre como se dará concretamente esse apoio – lembrando que, dos 100 bilhões de dólares previstos para o Fundo Verde Climático definido em COPs anteriores, em 2013, por exemplo, foram aportados apenas US$ 7,6 bilhões.
A conferência de Varsóvia era uma importante etapa no caminho rumo ao acordo global previsto na COP-17, em Durban. Pouco se progrediu, entretanto, o que fica claro pela linguagem diluída do documento apresentado ao final da COP-19, que convida “aqueles países que estiverem prontos para fazê-lo” a comunicar suas contribuições voluntárias “por volta do primeiro trimestre de 2015”. Não é difícil imaginar que a demora na apresentação de compromissos e metas diminuirá as chances de que estes sejam assimilados e negociados a tempo de se chegar a um acordo na COP-21, prevista para dezembro de 2015, em Paris.
Os resultados das COPs até agora mostram que o processo de negociação da ONU talvez não consiga responder a esse desafio com a rapidez necessária – e o lento avanço nas discussões fez com que as ONGs se retirassem em protesto da reunião de Varsóvia, algo nunca visto até então. Formas alternativas de cooperação precisam, portanto, ser imaginadas.

Protestos e Armas
A Primavera Árabe, como mostrou a deposição neste ano do presidente eleito do Egito, Mohamed Mursi, tarda em entregar as sociedades mais democráticas que parecia, de início, prometer. As revoltas que tiveram início em 2011 em nações do Oriente Médio e do norte da África, seguidas de movimentos como o dos Indignados na Espanha e o Occupy Wall Street nos Estados Unidos criaram, no entanto, um modelo que viria a ser replicado em outros países, de manifestações fortemente baseadas no emprego das redes sociais.
Em 2013, Brasil e Turquia viveram uma onda de protestos com características parecidas, por motivos diferentes: inicialmente, o aumento das passagens de ônibus no Brasil e, na Turquia, um projeto urbanístico que acabaria com boa parte da área verde do Parque Gezi, em Istambul. No final deste ano, foi a vez do povo ucraniano ir para as ruas, protestar contra a recusa do Presidente Viktor Ianukovich, aliado da Rússia, em assinar uma série de acordos que aproximariam a Ucrânia da União Europeia.
No campo da cooperação internacional, três acontecimentos marcaram o ano em relação às armas e ao desarmamento.
O primeiro deles foi a aprovação pela Assembleia Geral da ONU, no dia 2 de abril, do Tratado de Comércio de Armas. 154 países votaram a favor do acordo, 23 se abstiveram e apenas 3 – Coreia do Norte, Irã e Síria – foram contrários.
O objetivo desse Tratado é proibir os Estados de transferir armas convencionais para países nos quais essas seriam usadas para cometer genocídios, crimes contra a humanidade, crimes de guerra ou atos terroristas. Para tanto, na compra e venda de armas entre países – desde as de pequeno calibre até navios, aviões e tanques de guerra –, o exportador deverá verificar se o produto poderá de alguma forma ser utilizado para essas finalidades. O Tratado entrará em vigor 90 dias após ratificado por 50 Estados, mas, até dezembro deste ano, embora 115 países o tivessem assinado, apenas 9 haviam depositado seus instrumentos de ratificação.  
O segundo ocorreu na Síria, onde a guerra civil prossegue, sem solução. No dia 21 de agosto, ocorreu um ataque com armas químicas, próximo a Damasco, com mais de 1400 mortos. A suspeita de que a agressão tivesse partido do governo de Bashar Al-Assad levou o presidente dos Estados Unidos a anunciar que atacaria a Síria caso obtivesse a aprovação do Congresso americano. Isso não ocorreu apenas pela intervenção da Rússia, que propôs que o ataque fosse evitado caso a Síria aderisse à convenção sobre armas químicas da ONU. A Síria aceitou essa proposta e garantiu que irá obedecer a resolução da ONU que exige a destruição de seu arsenal químico – trabalho que será coordenado pela Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq). Em outubro de 2013, a Opaq recebeu o Prêmio Nobel da Paz, por seus esforços para eliminar as armas de destruição em massa de todo o planeta.
O terceiro aconteceu em novembro de 2013, quando foi firmado um acordo preliminar pelo qual o Irã, que a partir deste ano conta com um novo presidente, o moderado Hassan Rohani, se compromete a restringir seu programa nuclear em troca de um alívio nas sanções que vêm afetando sua economia.
As negociações ocorreram em Genebra entre o Irã e o grupo conhecido como G5+1, formado pelos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – EUA, França, Rússia, Reino Unido e China – mais a Alemanha.
O acordo prevê a suspensão parcial das sanções econômicas ao Irã e a liberação de receitas da venda de petróleo congeladas em contas bancárias no exterior, o que daria a esse país um alívio de cerca de US$ 7 bilhões. Em contrapartida, o Irã deverá restringir o enriquecimento de urânio a até 5% e neutralizar seu estoque de urânio enriquecido a 20% – limitando-o, portanto, a níveis insuficientes para produzir bombas atômicas, que é de mais de 90%. Compromete-se, ainda, a não construir novas centrífugas, além de permitir o acesso de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a suas instalações nucleares. O acordo vale, no entanto, por apenas seis meses. Enquanto isso, as partes irão negociar para tentar chegar a um acordo definitivo. Esse tempo dirá se o Irã estava apenas tentando ganhar tempo, ou se sua intenção de adequar seu programa nuclear às exigências de parte da comunidade internacional era para valer.

América Latina e Mercosul
Após a inédita renúncia de um Papa, Bento XVI, o início de 2013 foi marcado pela igualmente inédita escolha de um latino-americano para liderar a igreja católica, o argentino Jorge Mario Bergoglio, que adotou o nome de Francisco.
O país de origem do novo Papa, no entanto, teve pouco mais o que comemorar neste ano. A Argentina enfrenta a alta da inflação na área econômica, conflitos no campo político relacionados às tentativas do governo de Cristina Kirchner de limitar o poder da imprensa e uma onda recente de saques ao comércio em várias de suas províncias, desencadeada por greves das forças policiais.
Outros países da região enfrentaram turbulências diversas.
Na Bolívia, os problemas políticos se estenderam ao Brasil, com a fuga para cá do senador Roger Pinto, opositor do presidente Evo Morales, que havia passado uma temporada vivendo na embaixada brasileira em La Paz. A colaboração de um diplomata brasileiro na operação de fuga acabou sendo o estopim de uma crise que levou à saída de Antônio Patriota do cargo de Ministro das Relações Exteriores, que passou a ser ocupado por Luiz Alberto Figueiredo.
Na Venezuela, a morte de Hugo Chávez em março deste ano não significou mudança de rumos. O país, agora governado pelo presidente eleito Nicolás Maduro, que era vice-presidente no governo anterior, continua enfrentando grave crise econômica.
O Paraguai, onde o ambiente político foi menos instável do que o do ano passado – ano do impeachment do presidente Fernando Lugo –, também teve eleições em 2013, vencidas por Horácio Cartes. Vale lembrar que o Paraguai havia sido suspenso do Mercosul por conta da forma como Lugo foi tirado do poder e que, ato contínuo, a Venezuela foi aceita no bloco, aproveitando-se da ausência do Paraguai, cujo congresso se opunha à sua entrada. Agora, com a eleição de Cartes, o Paraguai já sinalizou que pretende voltar ao Mercosul e o Congresso paraguaio deverá formalizar, até o final deste ano, a sua aprovação ao ingresso da Venezuela, normalizando a situação do bloco.
Outros dois países pediram em 2013 para se tornar membros permanentes do Mercosul: Bolívia e Equador. Estes também fazem parte de outra organização de integração regional, a Comunidade Andina (CAN), da qual nenhum deles pretende se afastar – o que deve trazer complicações na conciliação tarifária, considerando que tanto o Mercosul quanto a CAN têm suas próprias Tarifas Externas Comuns.
A entrada desses países e o retorno do Paraguai só deve aumentar a dificuldade do Mercosul em alcançar o consenso necessário para firmar acordos de livre comércio com terceiros países. Dificuldade que vem sendo enfrentada na negociação entre esse bloco e a União Europeia, que se arrasta há anos e foi retomada com mais força em 2013.
Em um caminho menos acidentado parecem estar os países da Aliança do Pacífico, bloco fundado dois anos atrás por Chile, Colômbia, México e Peru, que pretende eliminar 90% das tarifas de importação dos produtos comercializados entre seus membros. Em maio de 2013 ocorreu a sétima reunião de cúpula dessa Aliança, na qual se aprovou o ingresso da Costa Rica. O bloco conta, ainda, com dezesseis Estados observadores – entre eles, Panamá, Espanha, Canadá, Japão e até mesmo o Paraguai.
Diferentemente do Mercosul que, por ser uma união aduaneira, depende do consenso entre seus membros para assinar novos acordos com concessões tarifárias, a Aliança do Pacífico se caracteriza como zona de livre comércio, o que permite que seus países celebrem esse tipo de acordo individualmente. O resultado disso? O Mercosul assinou apenas 3 acordos de livre comércio desde sua criação, enquanto o Chile tem 21 deles, o Peru 12, o México 13 e a Colômbia 11. Coincidentemente ou não, os países da Aliança têm se destacado por sua taxa de crescimento econômico – no ano passado, enquanto a América Latina cresceu 3,1%, o Chile cresceu 5,5%, o Peru 6,3%, o México 3,5% e a Colômbia 4,8%.

Comércio Internacional
Já se previa que a crise financeira de 2008 provocaria um aumento no protecionismo. O que talvez não fosse esperado é que, mesmo com sinais de que a crise está se arrefecendo, o protecionismo continuasse a aumentar. Ao contrário do que se poderia imaginar, cinco anos depois, a escalada na adoção de medidas restritivas continua acelerada.
Estudo divulgado pela Global Trade Alert mostrou que 431 novas medidas protecionistas foram adotadas de junho do ano passado até o meio deste ano. Os dois primeiros trimestres de 2013 superaram, com folga, o número de medidas deste tipo em qualquer trimestre anterior desde 2008 – inclusive o recordista deles até então, o primeiro de 2009, no auge da crise.
Nesse cenário, só pode ser encarado como boa notícia o acordo obtido, agora em dezembro, na reunião ministerial da OMC em Bali, na Indonésia. O chamado “Pacote de Bali” compreende medidas sobre agricultura, promoção do desenvolvimento e facilitação do comércio, prometendo trazer ganhos anuais de quase US$ 1 trilhão e 21 milhões de novos empregos, graças principalmente à desburocratização das aduanas. Diversos outros temas – como o fim dos subsídios a exportações agrícolas – ficaram de fora da discussão, faltando implementar a maior parte da agenda que levaria a Rodada Doha, que vem se arrastando desde 2001, a justificar o apelido de “rodada do desenvolvimento” que recebeu inicialmente.
De qualquer forma, o resultado renova a esperança de que o multilateralismo ainda esteja vivo. Existe, no entanto, a consciência da dificuldade de estabelecer um consenso entre os 160 – com o ingresso, em breve, do Iêmen – membros da OMC. Isso leva o próprio diretor-geral recém-eleito, o brasileiro Roberto Azevêdo, um dos principais responsáveis por este que foi primeiro acordo de alcance global celebrado na OMC desde a sua criação em 1995, a admitir que Bali foi apenas um começo e que não será rápido fechar a Rodada Doha.
Essa consciência tem levado a uma corrida mundial por acordos comerciais bilaterais e plurilaterais – outro assunto de destaque em 2013. Alguns desses acordos são muito significativos, como a Aliança do Pacífico, na América Latina e o acordo que vem sendo negociado entre Mercosul e União Europeia, já mencionados.
É o caso, também, da Parceria Transatlântica, que vem sendo discutida entre Estados Unidos e União Europeia, e da Parceria Transpacífica, abrangendo, por enquanto, Estados Unidos, Canadá, México, Austrália, Nova Zelândia, Brunei, Cingapura, Vietnã, Chile e Peru – grupo que representa 40% do PIB mundial e um terço de todo comércio global. Dados levantados pela OMC mostram que, até o início de 2013, surgiram 543 acordos desse tipo, dos quais 354 estavam em vigor. E pelo menos metade desse total foi assinada nos últimos dez anos – período que coincide com os insucessos da Rodada Doha.
Esses acordos indicam uma nova tendência na cooperação internacional. Com o desgaste do multilateralismo, essa passa a envolver grupos menores de países. Esses novos acordos ganham ainda mais relevância quando se nota que vão além da simples redução de tarifas. Eles estabelecem regras em propriedade intelectual, movimentação de capitais, compras governamentais e outros temas, que podem vir a se tornar padrão mundial, sem que os países que deles não fazem parte tenham participado de sua elaboração.

Conclusão
A cooperação internacional vai ganhando nova forma. Esse movimento deriva, em grande parte, de questionamentos relacionados tanto à efetividade quanto à legitimidade da governança global em diversas áreas. Mas nesses questionamentos há um paradoxo de difícil resolução. Processos mais democráticos de decisão, com ampla participação e necessidade de consenso entre os países – como aqueles que acontecem na ONU ou na OMC – são vistos como mais legítimos. E, uma vez que a legitimidade contribui para gerar a submissão voluntária a uma decisão, processos mais legítimos deveriam tender, também, a ser mais efetivos.
Porém, tanto no caso das mudanças climáticas quanto no da liberalização comercial, por exemplo, os processos de negociação têm se mostrado lentos e pouco efetivos. Isso tem levado ao surgimento de outros arranjos, como os acordos plurilaterais de livre comércio, que acabam se tornando peças importantes na engrenagem da governança global. Arranjos que permitem que um grupo menor de países adote regras que podem vir a ser impostas a outros países que não participaram de sua criação – o que pode levar essas regras a serem vistas futuramente como pouco democráticas e, portanto pouco legítimas.
Como resolver esse paradoxo e assegurar uma governança global que seja ao mesmo tempo legítima e efetiva é uma questão essencial, que a sociedade global precisará mais cedo ou mais tarde responder.

Publicado no site Consultor Jurídico em 22 de dezembro de 2013:
http://www.conjur.com.br/2013-dez-22/retrospectiva-2013-acordos-plurilaterais-ganham-forca-governanca-global

Artigo - Valor Econômico - 10/13/13

O multilateralismo entre Bali e Varsóvia 

Bali, na Indonésia está tão longe da polonesa Varsóvia quanto os dois grandes processos multilaterais que nelas tiveram seus últimos capítulos parecem estar distantes de alcançar os objetivos principais que, em seu começo, haviam se proposto a atingir.

Tão longe e tão perto. Livre comércio e mudança climática nem sempre são associados um ao outro, mas estão fortemente relacionados. Não apenas porque o aumento do comércio provoca o crescimento da produção que, quase sempre, leva a mais emissões de gases de efeito estufa, mas também porque são dois temas que estão sofrendo com longas negociações, o que pode dar origem a soluções alternativas que os poriam em conflito.

A OMC acaba de obter uma vitória em sua reunião ministerial, ao reanimar a Rodada Doha, que vem se arrastando desde 2001. O chamado Pacote de Bali compreende medidas sobre agricultura, promoção do desenvolvimento e facilitação do comércio, prometendo trazer ganhos anuais de quase US$ 1 trilhão graças à desburocratização das aduanas. Diversos outros temas – como o fim dos subsídios dos países ricos para exportação de produtos agrícolas – ficaram de fora da discussão, faltando implementar 90% da agenda que levaria Doha a fazer jus ao apelido de “rodada do desenvolvimento” que recebeu inicialmente.

Em Varsóvia, no final de novembro, ocorreu a COP-19, no âmbito da Convenção do Clima da ONU, de 1992. Nela, foram anunciadas decisões envolvendo o mecanismo conhecido como Redd+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), que prevê compensação financeira para os países em desenvolvimento que reduzirem emissões por meio do controle do desflorestamento, e a adoção de um mecanismo internacional para lidar com as perdas e danos causados pelos impactos climáticos nos países em desenvolvimento.

Porém, o resultado mais aguardado dessa conferência era um avanço na direção do acordo global que, como definido dois anos atrás, deverá ser assinado até 2015. Nisso, pouco se progrediu, o que fica claro pela redação do documento apresentado. Esse convida os países a iniciar ou intensificar os preparativos domésticos para suas “contribuições a serem determinadas nacionalmente”, que devem ser comunicadas por volta do primeiro trimestre de 2015 “por aqueles que estiverem prontos para fazê-lo”. Não é difícil prever que a demora na apresentação de compromissos e metas diminuirá as chances de que estes sejam assimilados e negociados a tempo de se chegar a um acordo na COP-21, prevista para dezembro daquele ano.

O que esses dois processos têm em comum?

A necessidade de consenso nas negociações climáticas na ONU vem, há algum tempo, sendo apontada como um problema. É complicado quase 200 países com interesses distintos entrarem em acordo e, quando isso acontece, o resultado costuma ser frágil, graças à linguagem diluída e à falta de mecanismos de supervisão e sanção. E na OMC, a consciência da dificuldade de estabelecer um consenso entre 160 membros leva o próprio diretor-geral a admitir que Bali foi apenas um começo e que não será rápido fechar a Rodada Doha.

A perspectiva de que negociações multilaterais atrasem ou tragam resultados insatisfatórios desperta possíveis “planos B”.

No campo do comércio internacional, essa via já vem sendo seguida, por meio de acordos de livre comércio bilaterais e plurilaterais – alguns de peso vêm sendo negociados, como a Parceria Transatlântica entre Estados Unidos e União Europeia, a Parceria Transpacífica, entre doze países da região Ásia-Pacífico e o acordo entre Mercosul e União Europeia.

Na área da defesa do clima, uma opção que vem sendo discutida é a dos chamados “acordos de baixo carbono”. A solução para o aquecimento global passa por internalizar os custos relacionados às emissões – ou seja, por adotar regulações ou tributos que as encareçam. Para evitar que alguns países sejam free riders, pegando carona nos esforços dos demais, aqueles com políticas mais rígidas de controle de emissões podem formar coalizões, celebrando acordos que poderiam ter um caráter comercial, excluindo os países sem políticas equivalentes de alguns benefícios.

Pois bem. Se nem Doha nem as negociações climáticas avançarem suficientemente rápido nos próximos anos, pode-se abrir caminho para esse tipo de “clube”. Alguns dos acordos comerciais que vêm se formando poderiam optar pela estratégia de adotar políticas climáticas mais avançadas e, ao mesmo tempo, proteger-se da concorrência de outros países por meio de ajustes tarifários na fronteira. Aqui, mais uma vez, mudanças climáticas e livre comércio se cruzam. Esses ajustes provavelmente seriam atacados por serem discriminatórios, cabendo à OMC – que, diga-se de passagem, é comumente acusada de não dar muita importância para o desenvolvimento sustentável – julgá-los.


Esses dois processos multilaterais são, sem dúvida, a melhor forma de se promover tanto a liberalização comercial quanto o combate ao aquecimento global. Ambos podem trazer enormes benefícios e valem o esforço que lhes vem sendo dedicado. Um mundo com um comércio livre e sem distorções será um mundo mais rico e mais justo. Um planeta em que todos os países se comprometam a cortar significativamente as suas emissões será um lugar melhor e mais seguro para se viver. Há, no entanto, uma longa e acidentada estrada a se percorrer nos dois casos. É preciso pensar, por isso, quais caminhos alternativos poderão ser ou não trilhados, e quais as consequências dessas escolhas.


Publicado no jornal Valor Econômico em 10 de dezembro de 2013, p. A13

Entrevista - TV Estadão - 31/10/13

Entrevista - Eduardo Felipe Matias - TV Estadão - "Como os países podem controlar a internet?"

Artigo - Brasil Econômico - 14/10/13

Correndo atrás do bonde da globalização

Se não quiser ficar para trás, o Brasil precisa começar a compreender melhor a globalização e a série de instrumentos que a impulsionam e a protegem. Precisa, também, se inserir rapidamente nas cadeias produtivas globais que vêm se formando nas últimas décadas.

Para buscar essa inserção, além de aperfeiçoar suas instituições, capital humano e infraestrutura, um país precisa dar garantias de que empresas que nele aloquem sua produção serão bem tratadas e poderão escoá-la favoravelmente – o que pode ser feito por meio de acordos de proteção de investimentos e de livre comércio.

Na área comercial, o Brasil apostou suas fichas em dois processos de liberalização que vêm enfrentando percalços: a Rodada Doha, que se arrasta há doze anos sem resultado, e o Mercosul, que dificulta novos acordos de livre comércio com outros países – foram só 3 desde sua criação.

Enquanto isso, a corrida mundial por acordos comerciais bilaterais e plurilaterais se intensifica. Alguns deles, muito significativos, como a Parceria Transatlântica, que vem sendo discutida entre Estados Unidos e União Europeia, a Parceria Transpacífica, abrangendo, por enquanto, Estados Unidos, Canadá, México, Austrália, Nova Zelândia, Brunei, Cingapura, Vietnã, Chile e Peru e, por fim, aqui perto, a Aliança do Pacífico, bloco fundado por Chile, Colômbia, México e Peru. Dados levantados pela OMC mostram que, até o início de 2013, surgiram 543 acordos desse tipo, dos quais 354 estavam em vigor. Pelo menos metade desse total foi assinada nos últimos dez anos – vários por países latino-americanos, como o Chile, com 21 acordos, o Peru com 12 e o México com 13.

Esses acordos se somam à ampla rede de proteção mundial com mais de 2500 tratados bilaterais que ampara o investimento externo direto. O Brasil, no entanto, assinou apenas 15 desses tratados – que ajudariam a atrair mais investimentos para nosso território, assim como a proteger os investimentos brasileiros no exterior. E, até hoje, não ratificou nenhum deles.

Apesar disso, seu formidável mercado interno leva o Brasil a se manter nos primeiros lugares do ranking mundial de atração de investimentos estrangeiros – passou da 5ª para a 4ª posição, apesar de estes terem caído 2% em 2012. E diversas empresas brasileiras têm procurado se internacionalizar – nosso estoque de investimentos no exterior já alcança US$ 230 bilhões.

Isso não significa, no entanto, que estejamos integrados às cadeias globais de valor, o que se confirma pela proporção elevada de conteúdo local de nossas exportações e pela pequena participação de bens intermediários em nossas importações. Países com obstáculos ao comércio e ao investimento estrangeiro, portos e aeroportos ineficientes, procedimentos alfandegários lentos e burocráticos, baixa proteção à propriedade intelectual, trabalhadores pouco capacitados, limitação à contratação de pessoal vindo de fora, trâmites complicados para abertura de empresas, entre outros fatores, tendem a ser excluídos dessas cadeias.

É verdade que a abertura comercial irrestrita e a movimentação de capitais desenfreada podem ter efeitos negativos. Mas isolar-se é pior. Entender a globalização é essencial para que o Brasil não fique fora das cadeias globais de valor, o que leva a perda de competitividade e redução do bem-estar da população.

Artigo - Revista Exame CEO - Agosto de 2013

Comendo poeira

Era uma vez uma economia internacional pujante, em que navios singravam os mares levando mercadorias de um lado a outro do planeta e novas formas de se comunicar permitiam rápido contato com locais distantes. Essa é uma história real. Aconteceu no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, quando barcos a vapor, ferrovias e telégrafos possibilitaram que o mundo alcançasse uma integração econômica até então sem igual. A globalização, no entanto, é outra história. E o Brasil parece ainda não ter percebido isso.
A diferença entre aquela época e a que vivemos hoje está na revolução tecnológica. Inovações nas comunicações e transportes permitem que as empresas fragmentem sua produção como nunca se viu, passando a comprar ou produzir seus insumos onde isto for mais eficiente, formando cadeias produtivas globais.
Para participar dessas cadeias, além de aperfeiçoar suas instituições, capital humano e infraestrutura, um país deve oferecer garantias de que empresas que optarem por alocar parte da produção em seu território serão bem tratadas e que poderão escoá-la de forma favorável. Em outras palavras, deve se sair bem em duas vertentes, a do investimento externo direto e a do comércio internacional, que foram acompanhadas de uma inédita proliferação de acordos e organizações internacionais – uma verdadeira globalização jurídica, que o Brasil vem tendo dificuldade de acompanhar.
Na vertente do comércio internacional, o Brasil tem se tornado mais protecionista no plano interno e, no plano externo, assume postura tímida na adesão a novos acordos de livre comércio.
O protecionismo se agravou mundialmente nos últimos anos, somando-se à crise para derrubar o comércio internacional. Dados recentes da Organização Mundial do Comércio (OMC) mostram que 2012 foi o segundo pior ano para esse comércio em mais de três décadas – superado, apenas, por 2009. O Brasil que, desde novembro de 2008, adotou 80 medidas de proteção – menos que outros países, e muitas delas legítimas, é preciso reconhecer – não fugiu a essa regra. Nossas importações caíram 2% em 2012. Penalizar as importações, é bom lembrar, pode causar um aumento no preço de insumos necessários à produção, o que torna a nossa economia menos competitiva também ao vender para o exterior. Isso não é nada bom para um país cujas exportações representam apenas 1,3% do total mundial e caíram 5% em 2012.
Nossa posição acanhada no comércio internacional – 22º lugar no ranking global tanto das importações quanto das exportações – se reflete, é lógico, em números igualmente inexpressivos no intercâmbio de partes e peças intermediárias, que é o que mede a participação de um país nas cadeias globais de valor.
Embora a redução nas exportações possa ser atribuída à crise na Europa e à queda nos preços das commodities, certamente o Brasil também é prejudicado pelos revezes sofridos nos dois processos de liberalização em que apostou suas fichas.
O primeiro é a Rodada Doha, que se arrasta há quase doze anos. Pode até ser que a eleição de Roberto Azevêdo para a direção da OMC dê novo fôlego a essa negociação multilateral, nosso “first best”, mas as dificuldades enfrentadas até agora recomendam que o Brasil, desta vez, pense em um plano B.
O segundo é o processo de integração regional do Mercosul. Se este foi, em seus primeiros anos, fator de inserção competitiva do Brasil na economia mundial, mesmo o intercâmbio comercial intrabloco, que chegou a representar 17% do total da região, retrocedeu para 12%. E, o que é pior, por se tratar de uma união aduaneira e exigir o consenso de seus membros para fazer concessões tarifárias, o Mercosul tem dificultado a celebração de novos acordos de livre comércio. Desde 1991 – ano de criação do bloco – foram apenas três acordos assinados, com Israel, Palestina e Egito, sendo que apenas o primeiro está em vigor.
Enquanto isso, há uma corrida mundial para a criação de novos acordos bilaterais e plurilaterais. Na última década, mais de 200 deles foram celebrados – vários por países latino-americanos, como o Chile, com 22 acordos, o Peru com 12 e a Colômbia com 11. Coincidentemente ou não, países com mais desses acordos ficaram acima da média de crescimento do comércio internacional em 2012.
Nossas empresas, é claro, tendem a perder espaço nesses mercados que estão se integrando. Se até por esse raciocínio, fundado no comércio exterior “à la século XX”, é fácil perceber como isso nos prejudica, o dano fica mais evidente quando se nota que esses novos acordos vão além da simples redução de tarifas. Eles estabelecem regras em propriedade intelectual, movimentação de capitais e outros temas, que podem vir a se tornar padrão mundial sem que o Brasil tenha participado de sua elaboração.
Esses acordos se somam à ampla rede de proteção que ampara a outra vertente associada às cadeias produtivas globais, que é a do investimento externo direto. Esta já contava com mais de 2500 tratados bilaterais de investimento (TBI). Aqui, mais uma vez, outras nações em desenvolvimento estão à frente do Brasil, caso dos demais BRICs – a China possui 90 desses acordos, a Rússia 50 e a Índia 61 – e de países do nosso continente – o Chile tem 53, o Peru 30 e o México 23, por exemplo. O Brasil, que hesita também em aderir a outros instrumentos, como aos acordos contra a bitributação, assinou apenas 15 TBI – que ajudariam a atrair investimentos para nosso território, assim como a proteger os investimentos brasileiros no exterior. E, até hoje, não ratificou nenhum deles.
Porém, seu formidável mercado interno faz que o Brasil se mantenha nos primeiros lugares do ranking de atração de investimentos estrangeiros – passou da 5ª para a 4ª posição, apesar da recém-divulgada queda de 2% desses investimentos em 2012 em relação ao ano anterior. E diversas empresas brasileiras têm procurado se internacionalizar – o estoque de investimentos brasileiros no exterior já alcança US$ 230 bilhões. Seriam esses dados ainda mais favoráveis caso o Brasil aderisse a mais acordos internacionais? É muito provável.
O fato é que poucas de nossas empresas estão integradas às cadeias globais de fornecimento. E as políticas de proteção do mercado interno e de imposição de exigências de conteúdo local que o Brasil vem adotando vão no sentido contrário ao do sistema de produção mundial fragmentado e globalizado.

É verdade que tanto a abertura comercial irrestrita quanto a movimentação de capitais desenfreada podem ter efeitos negativos, como mostrou a crise de 2008. Mas isolar-se é a pior atitude. Entender corretamente a globalização e, principalmente, a globalização jurídica é essencial para que o Brasil não fique de fora das cadeias produtivas globais, o que pode levar a perda de competitividade e diminuição do bem-estar da população. Nosso repertório de acordos internacionais é inadequado para competir na economia globalizada. Estamos correndo descalços e com uma roupa pesada em uma faixa esburacada da pista. Se não tomarmos cuidado, os demais países nos deixarão para trás, comendo poeira.

Publicado na Revista Exame CEO em Agosto de 2013, p. 110 a 113.

Artigo - Valor Econômico - 08/07/13

protecionismo em alta

Se crises econômicas costumam provocar protecionismo, grandes crises econômicas tendem a causar grande aumento no protecionismo. Desde 2008, o mundo assiste a uma escalada na adoção de medidas restritivas, que se aliam às dificuldades financeiras causadas pela crise para derrubar o comércio internacional. E, ao contrário do que se poderia imaginar, cinco anos depois, esta escalada vem se acelerando, com graves consequências tanto globais quanto para os países que seguirem este caminho.
Estudo recente da Global Trade Alert mostra que 431 novas medidas protecionistas foram implementadas de junho de 2012 até hoje. Os dois últimos trimestres superaram, com folga, o número de medidas deste tipo em qualquer trimestre anterior desde 2008 – inclusive o recordista deles até então, o primeiro de 2009, no auge da crise.
O Brasil, embora não esteja entre os piores alunos da classe, também contribuiu para esses números, com 80 medidas desde que a crise começou – só para comparar, na Argentina foram 185. Parte delas, vale ressaltar, são de defesa comercial e não são, necessariamente, protecionistas. Medidas antidumping, de salvaguarda e compensatórias, que estão amparadas pelos acordos da OMC, são ações legítimas para deter a concorrência desleal, sempre que aplicadas respeitando os requisitos estabelecidos por essas regras. O protecionismo pode ter várias caras, e a mais perigosa delas é a que não se enquadra nesse tipo de ação, ocorrendo de forma disfarçada – categoria que representa mais de 60% das políticas adotadas, segundo o mesmo estudo.
O mais importante, no entanto, é tentar entender o que justificaria o protecionismo e, mais ainda, se este compensa, pensando, sobretudo, no caso brasileiro.
O paradigma clássico para a proteção comercial, que é o da preservação das indústrias nascentes, parece não se aplicar a nossa situação, onde a necessidade de proteção tem sido vista de forma mais ampla, e em um primeiro momento, inclusive, tinha como principal justificativa a excessiva valorização do real – sem dúvida, a OMC irá precisar em algum momento tratar da questão cambial, pois ela põe em risco todos os compromissos acordados, ao tornar pouco realistas os tetos e alíquotas anteriormente negociados.
O fato é que, justificável ou não, o protecionismo tem efeitos nocivos que devem ser considerados.
No plano internacional, políticas protecionistas implementadas por um determinado país podem contribuir para uma perigosa retração do comércio, com graves perdas econômicas para todos. É o que vem acontecendo, e 2012 foi o segundo pior ano para o comércio internacional em mais de 30 anos – superado, apenas, por 2009, segundo dados recentemente divulgados pela OMC. Podem, ainda, acarretar reações específicas que prejudicariam diretamente os produtores domésticos. A adoção de uma margem de preferência para empresas nacionais nas compras governamentais, por exemplo, pode gerar retaliações de outros países que, ao aplicarem o mesmo princípio, dificultariam a participação, em seus processos de compras, das empresas daquele país que originalmente adotou a medida.
Internamente, a proteção excessiva leva a perda de competitividade e diminuição do bem-estar geral da população. O protecionismo pode estar atendendo aos anseios de apenas uma parte ineficiente do setor produtivo, em detrimento da sociedade – que arca com a inflação de preços – ou do setor produtivo como um todo. Além disso, penalizar as importações – que caíram 2% no Brasil em 2012, segundo a OMC – pode causar um aumento no preço de insumos necessários à produção, o que torna nossa economia menos competitiva também nas exportações. Seria um tiro no pé para um país que já exporta pouco – segundo o mesmo levantamento, continuamos em 22º lugar, com participação de apenas 1,3% das exportações mundiais. Em 2012, as vendas brasileiras para o exterior sofreram uma redução de 5% em relação ao ano anterior, situação que pode ser atribuída, em grande parte, à crise na Europa – grande importadora – e à queda nos preços das commodities, mas que, certamente, não se beneficia da ausência de novos acordos de livre comércio e dos entraves à produção em nosso país.
Quanto a este último fator, nunca é demais lembrar que de nada adiantam ações emergenciais sem se preocupar em consertar as graves deficiências estruturais – cuja lista é bem conhecida – que estão na raiz das dificuldades sofridas pela indústria. Sem isso, voltaremos a cometer velhos erros. Historicamente, o protecionismo atrasou o desenvolvimento tecnológico do país, pela reserva de informática dos anos 1970, e gerou uma indústria automobilística que ganhou a fama de produzir carroças. No setor de brinquedos, embora salvaguardas tenham sido implantadas na década de 1990, os importados hoje representam 70% do mercado doméstico e os empresários nacionais continuam reclamando, uma vez que aquelas medidas não foram acompanhadas de políticas de longo prazo que lhes permitissem concorrer de igual para igual com as empresas estrangeiras.
Logo, apenas limitar a concorrência não resolve o problema. Eventuais medidas de proteção devem vir acompanhadas de ações consistentes para combater nossa ineficiência – a qual, diferentemente do que ocorria até pouco tempo atrás, não é mais ocultada pela alta no preço das commodities. O rei está nu, e as previsões sombrias da OMC para o comércio internacional nos próximos anos nos obrigam a promover com urgência a nossa competitividade.

Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 8 de julho de 2013 - p. A12