terça-feira, 27 de setembro de 2011

Artigo - jornal Brasil Econômico, 27/09/11

Agravamento da crise e seus reflexos na globalização

Eduardo Felipe P. Matias

A prolongada crise financeira mundial põe a globalização em xeque. Será que, como ocorreu com o período de grande internacionalização ocorrido nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial, a globalização atual irá acabar?

Poucos assuntos foram tão discutidos nos últimos anos quanto a globalização. Mas nem sempre essa discussão leva em conta o quanto o mundo está hoje, de fato, internacionalizado. E esse é um dado essencial, se quisermos entender o que está em jogo com o agravamento da crise e possível retração da globalização.

Se considerarmos as atividades que podem ocorrer tanto dentro como através das fronteiras nacionais, e calcularmos qual porcentagem destes pode ser considerada internacional, chegaremos a números surpreendentes. Por exemplo, o investimento estrangeiro direto correspondeu em média, nos últimos anos, a apenas 10% do investimento total mundial, o que sugere que aproximadamente 90% de todo o investimento fixo mundial ainda é doméstico. E somente por volta de 20% das ações estão nas mãos de investidores estrangeiros. Logo, o mundo ainda não alcançou ao nível de integração que a badalação em torno do tema da globalização nos levaria a crer. Reações protecionistas são normais em tempos de crise, havendo por isso uma forte possibilidade de que esses números, já baixos, tendam a reduzir-se.

No entanto, a globalização, como ideia, é mais difícil de enterrar. Ela está por trás de um dos maiores crescimentos econômicos da história recente – ainda que crescimento seja uma coisa e desenvolvimento sustentável seja outra completamente diferente, mas essa é outra história. É preciso, entretanto, discutir qual globalização queremos. Os benefícios do livre comércio, em teoria, são inegáveis, e mesmo a integração dos mercados financeiros mundiais deveria aportar algo em termos de mitigação do risco e melhor alocação de recursos. Porém, a globalização foi empacotada e vendida como liberalização desenfreada. Esse entendimento não era correto, e conduziu alguns países que seguiram a cartilha à risca a fracassarem, enquanto outros, que entenderam que o capitalismo não comporta um modelo único, sendo necessário algum tipo de presença do Estado, foram bem sucedidos. Pior, a falta de regulamentação e de controles democráticos tem causado constante instabilidade econômica, levando até os mais fanáticos pela integração econômica mundial a duvidarem dos poderes mágicos desse processo.

Além disso, o aumento da interdependência foi acompanhado de uma globalização jurídica, onde tratados e organizações internacionais consolidam e protegem alguns dos princípios relacionados à liberalização econômica. Assim, mesmo que seja de se esperar que esta sofra retrações em momentos de recessão, a própria arquitetura institucional montada em volta da globalização torna difícil que sua vida seja abreviada por uma onda nacionalista e protecionista.

Tudo isso nos leva a algumas conclusões. O fato de que a globalização não é tão grande quanto parece deveria diminuir o temor de que os efeitos de seu possível encolhimento seriam devastadores. O fato de que, em sua base, há alguns conceitos úteis, capazes de gerar bem estar econômico, fazem com que seja difícil dela abrir mão. E o fato de que, como ideia, ela venha sendo distorcida, o que tem levado a desigualdade crescente e crises frequentes, mostra a necessidade de que ela seja entendida e governada de outra forma. Ela irá sobreviver. Mas terá que ser outra globalização, bem diferente da que conhecemos hoje.


Publicado no jornal Brasil Econômico, p.39, em 27 de setembro de 2011