quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Artigo - Valor Econômico - 10/13/13

O multilateralismo entre Bali e Varsóvia 

Bali, na Indonésia está tão longe da polonesa Varsóvia quanto os dois grandes processos multilaterais que nelas tiveram seus últimos capítulos parecem estar distantes de alcançar os objetivos principais que, em seu começo, haviam se proposto a atingir.

Tão longe e tão perto. Livre comércio e mudança climática nem sempre são associados um ao outro, mas estão fortemente relacionados. Não apenas porque o aumento do comércio provoca o crescimento da produção que, quase sempre, leva a mais emissões de gases de efeito estufa, mas também porque são dois temas que estão sofrendo com longas negociações, o que pode dar origem a soluções alternativas que os poriam em conflito.

A OMC acaba de obter uma vitória em sua reunião ministerial, ao reanimar a Rodada Doha, que vem se arrastando desde 2001. O chamado Pacote de Bali compreende medidas sobre agricultura, promoção do desenvolvimento e facilitação do comércio, prometendo trazer ganhos anuais de quase US$ 1 trilhão graças à desburocratização das aduanas. Diversos outros temas – como o fim dos subsídios dos países ricos para exportação de produtos agrícolas – ficaram de fora da discussão, faltando implementar 90% da agenda que levaria Doha a fazer jus ao apelido de “rodada do desenvolvimento” que recebeu inicialmente.

Em Varsóvia, no final de novembro, ocorreu a COP-19, no âmbito da Convenção do Clima da ONU, de 1992. Nela, foram anunciadas decisões envolvendo o mecanismo conhecido como Redd+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), que prevê compensação financeira para os países em desenvolvimento que reduzirem emissões por meio do controle do desflorestamento, e a adoção de um mecanismo internacional para lidar com as perdas e danos causados pelos impactos climáticos nos países em desenvolvimento.

Porém, o resultado mais aguardado dessa conferência era um avanço na direção do acordo global que, como definido dois anos atrás, deverá ser assinado até 2015. Nisso, pouco se progrediu, o que fica claro pela redação do documento apresentado. Esse convida os países a iniciar ou intensificar os preparativos domésticos para suas “contribuições a serem determinadas nacionalmente”, que devem ser comunicadas por volta do primeiro trimestre de 2015 “por aqueles que estiverem prontos para fazê-lo”. Não é difícil prever que a demora na apresentação de compromissos e metas diminuirá as chances de que estes sejam assimilados e negociados a tempo de se chegar a um acordo na COP-21, prevista para dezembro daquele ano.

O que esses dois processos têm em comum?

A necessidade de consenso nas negociações climáticas na ONU vem, há algum tempo, sendo apontada como um problema. É complicado quase 200 países com interesses distintos entrarem em acordo e, quando isso acontece, o resultado costuma ser frágil, graças à linguagem diluída e à falta de mecanismos de supervisão e sanção. E na OMC, a consciência da dificuldade de estabelecer um consenso entre 160 membros leva o próprio diretor-geral a admitir que Bali foi apenas um começo e que não será rápido fechar a Rodada Doha.

A perspectiva de que negociações multilaterais atrasem ou tragam resultados insatisfatórios desperta possíveis “planos B”.

No campo do comércio internacional, essa via já vem sendo seguida, por meio de acordos de livre comércio bilaterais e plurilaterais – alguns de peso vêm sendo negociados, como a Parceria Transatlântica entre Estados Unidos e União Europeia, a Parceria Transpacífica, entre doze países da região Ásia-Pacífico e o acordo entre Mercosul e União Europeia.

Na área da defesa do clima, uma opção que vem sendo discutida é a dos chamados “acordos de baixo carbono”. A solução para o aquecimento global passa por internalizar os custos relacionados às emissões – ou seja, por adotar regulações ou tributos que as encareçam. Para evitar que alguns países sejam free riders, pegando carona nos esforços dos demais, aqueles com políticas mais rígidas de controle de emissões podem formar coalizões, celebrando acordos que poderiam ter um caráter comercial, excluindo os países sem políticas equivalentes de alguns benefícios.

Pois bem. Se nem Doha nem as negociações climáticas avançarem suficientemente rápido nos próximos anos, pode-se abrir caminho para esse tipo de “clube”. Alguns dos acordos comerciais que vêm se formando poderiam optar pela estratégia de adotar políticas climáticas mais avançadas e, ao mesmo tempo, proteger-se da concorrência de outros países por meio de ajustes tarifários na fronteira. Aqui, mais uma vez, mudanças climáticas e livre comércio se cruzam. Esses ajustes provavelmente seriam atacados por serem discriminatórios, cabendo à OMC – que, diga-se de passagem, é comumente acusada de não dar muita importância para o desenvolvimento sustentável – julgá-los.


Esses dois processos multilaterais são, sem dúvida, a melhor forma de se promover tanto a liberalização comercial quanto o combate ao aquecimento global. Ambos podem trazer enormes benefícios e valem o esforço que lhes vem sendo dedicado. Um mundo com um comércio livre e sem distorções será um mundo mais rico e mais justo. Um planeta em que todos os países se comprometam a cortar significativamente as suas emissões será um lugar melhor e mais seguro para se viver. Há, no entanto, uma longa e acidentada estrada a se percorrer nos dois casos. É preciso pensar, por isso, quais caminhos alternativos poderão ser ou não trilhados, e quais as consequências dessas escolhas.


Publicado no jornal Valor Econômico em 10 de dezembro de 2013, p. A13