O multilateralismo entre Bali e
Varsóvia
Bali, na Indonésia está tão longe da
polonesa Varsóvia quanto os dois grandes processos multilaterais que nelas tiveram
seus últimos capítulos parecem estar distantes de alcançar os objetivos
principais que, em seu começo, haviam se proposto a atingir.
Tão longe e tão perto. Livre comércio e mudança climática nem sempre são
associados um ao outro, mas estão fortemente relacionados. Não apenas porque o
aumento do comércio provoca o crescimento da produção que, quase sempre, leva a
mais emissões de gases de efeito estufa, mas também porque são dois temas que
estão sofrendo com longas negociações, o que pode dar origem a soluções
alternativas que os poriam em conflito.
A OMC acaba de obter uma vitória em sua
reunião ministerial, ao reanimar a Rodada Doha, que vem se arrastando desde
2001. O chamado Pacote de Bali compreende medidas sobre agricultura, promoção
do desenvolvimento e facilitação do comércio, prometendo trazer ganhos anuais de
quase US$ 1 trilhão graças à desburocratização das aduanas. Diversos outros
temas – como o fim dos subsídios dos países ricos para exportação de produtos
agrícolas – ficaram de fora da discussão, faltando implementar 90% da agenda
que levaria Doha a fazer jus ao apelido de “rodada do desenvolvimento” que recebeu
inicialmente.
Em Varsóvia, no final de novembro,
ocorreu a COP-19, no âmbito da Convenção do Clima da ONU, de 1992. Nela, foram
anunciadas decisões envolvendo o mecanismo conhecido como Redd+ (Redução de Emissões por Desmatamento e
Degradação), que prevê compensação financeira para os países em desenvolvimento
que reduzirem emissões por meio do controle do desflorestamento, e a adoção de
um mecanismo internacional para lidar com as perdas e danos causados pelos
impactos climáticos nos países em desenvolvimento.
Porém, o resultado mais aguardado dessa
conferência era um avanço na direção do acordo global que, como definido dois anos atrás, deverá
ser assinado até 2015. Nisso, pouco se progrediu, o que fica claro pela redação
do documento apresentado. Esse convida os países a iniciar ou intensificar os
preparativos domésticos para suas “contribuições a serem determinadas
nacionalmente”, que devem ser comunicadas por volta do primeiro trimestre de
2015 “por aqueles que estiverem prontos para fazê-lo”. Não é difícil prever que
a demora na apresentação de compromissos e metas diminuirá as chances de que estes
sejam assimilados e negociados a tempo de se chegar a um acordo na COP-21,
prevista para dezembro daquele ano.
O que esses dois processos têm em
comum?
A necessidade de consenso nas negociações climáticas na ONU vem, há algum
tempo, sendo apontada como um problema. É complicado quase 200 países com interesses
distintos entrarem em acordo e, quando isso acontece, o resultado costuma ser
frágil, graças à linguagem diluída e à falta de mecanismos de supervisão e
sanção. E na OMC, a consciência da dificuldade de estabelecer um consenso entre
160 membros leva o próprio diretor-geral a admitir
que Bali foi apenas um começo e que não será rápido fechar a Rodada Doha.
A perspectiva de que negociações multilaterais atrasem ou tragam
resultados insatisfatórios desperta possíveis “planos B”.
No campo do comércio internacional, essa via já vem sendo seguida, por
meio de acordos de livre comércio bilaterais e plurilaterais – alguns de peso vêm
sendo negociados, como a Parceria Transatlântica entre Estados Unidos e União
Europeia, a Parceria Transpacífica, entre doze países da região Ásia-Pacífico e
o acordo entre Mercosul e União Europeia.
Na área da defesa do clima, uma opção que vem sendo discutida é a dos chamados
“acordos de baixo carbono”. A
solução para o aquecimento global passa por internalizar os custos relacionados
às emissões – ou seja, por adotar regulações ou tributos que as encareçam. Para
evitar que alguns países sejam
free riders, pegando carona nos
esforços dos demais, aqueles com políticas mais rígidas de controle de emissões
podem formar coalizões, celebrando acordos que poderiam ter um caráter
comercial, excluindo os países sem políticas equivalentes de alguns benefícios.
Pois bem. Se nem Doha nem as negociações climáticas avançarem
suficientemente rápido nos próximos anos, pode-se abrir caminho para esse tipo
de “clube”. Alguns dos acordos comerciais que vêm se formando poderiam optar
pela estratégia de adotar políticas climáticas mais avançadas e, ao mesmo
tempo, proteger-se da concorrência de outros países por meio de ajustes
tarifários na fronteira. Aqui, mais uma vez, mudanças climáticas e livre comércio se cruzam. Esses
ajustes provavelmente seriam atacados por serem discriminatórios, cabendo à OMC
– que, diga-se de passagem, é comumente acusada de não dar muita importância
para o desenvolvimento sustentável – julgá-los.
Esses dois processos multilaterais são, sem dúvida, a melhor forma de se
promover tanto a liberalização comercial quanto o combate ao aquecimento
global. Ambos podem trazer enormes benefícios e valem o esforço que lhes vem
sendo dedicado. Um mundo com um comércio livre e sem distorções será um mundo mais
rico e mais justo. Um planeta em que todos os países se comprometam a cortar
significativamente as suas emissões será um lugar melhor e mais seguro para se
viver. Há, no entanto, uma longa e acidentada estrada a se percorrer nos dois
casos. É preciso pensar, por isso, quais caminhos alternativos poderão ser ou
não trilhados, e quais as consequências dessas escolhas.
Publicado no jornal Valor Econômico em 10 de dezembro de 2013, p. A13