segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Artigo - Valor - 11/12/14

As pedras no caminho de Paris


No meio do caminho até Paris tinha duas pedras. Como contorná-las, possibilitando um acordo global efetivo de combate às mudanças climáticas, promete ser o grande desafio da humanidade neste ano que se aproxima.
Os países agora reunidos em Lima para a 20ª Conferência das Partes (COP-20) da Convenção do Clima da ONU se comprometeram a assinar, em dezembro de 2015, na COP-21 que ocorrerá na capital francesa, um tratado que se aplicará a todos eles a partir de 2020.
 Uma das discussões importantes da COP de Lima é a do texto negociador que servirá de base a esse novo acordo.
A primeira pedra no caminho dessa negociação deriva de seu próprio modelo, baseado no consenso. Conciliar os diferentes interesses de mais de 190 países não é missão simples, o que frequentemente leva a dois resultados, ambos igualmente ruins: ou não se chega a um acordo, ou se alcança um acordo frágil.
Essa fragilidade resulta de dois traços comumente encontrados nesses documentos. O primeiro é a linguagem diluída. Se a missão é chegar a um “produto” na forma de tratado, a forma mais fácil de cumpri-la é negociar um documento vago que permita aos governos dizer que tomaram uma atitude enquanto, na prática, não se sujeitam a maiores consequências.
 O segundo é que esse tipo de acordo universal quase nunca estabelece sanções. A exigência do consenso torna pouco provável que punições severas sejam aceitas por países que terão dificuldades em cumprir o acordado, o que leva seja ao enfraquecimento do mecanismo de sanção que estiver sendo discutido, a fim de manter esses países no acordo, seja à criação de brechas que poderão ser aproveitadas pelos países em questão. E, quando esse obstáculo é superado e se chega a um mecanismo eficaz, os potenciais descumpridores quase certamente desistirão de aderir ao acordo, que deixa de ser universal.
Essa lógica é particularmente aplicável aos regimes ambientais internacionais por dois motivos.
Primeiramente, estes têm a finalidade de resolver problemas de caráter mais multilateral do que bilateral. Em um regime de comércio – como o da Organização Mundial do Comércio (OMC) – a violação por parte de um país membro pode na maioria das vezes ser efetivamente punida por outro membro, por meio de retaliações diretas. No caso dos regimes ambientais, o descumprimento tende a afetar não a uma nação em particular, mas a todas, e o incentivo para um país punir individualmente o não cumprimento por parte de outro é menor, o que torna mais necessária a adoção de meios centralizados de sanção.
O segundo motivo é que regimes ambientais diferem de outros mais complexos – por exemplo, aquele da União Europeia, que abrange políticas comuns em diversas áreas, como concorrência, agricultura e pesca. Uma vez que esses regimes complexos regulam grande variedade de assuntos, o não cumprimento acaba se distribuindo entre diferentes países, em diferentes áreas. Nesse caso, é do interesse de todos aceitar mecanismos de sanção mais eficazes, pois mesmo que cada um deles ache isso indesejável naquela área particular em que poderá não respeitar as regras estabelecidas, a possibilidade de vir a ser punido naquela área é compensada pela perspectiva de que sanções sejam aplicadas aos demais países caso estes violem suas obrigações em outras áreas. Já os regimes ambientais tendem a focar em um único assunto – biodiversidade, proteção florestal etc. –, o que faz com que o descumprimento normalmente se concentre em alguns países. Para estes, aceitar sanções seria o equivalente à autopunição e, à medida que o consenso é exigido para adotá-las, eles se aproveitam disso para barrá-las.
Todos esses fatores complicam o trabalho dos diplomatas que atuam nesses amplos processos multilaterais na área ambiental, chegando-se a um acordo onde este é possível, o que leva a documentos que adotam apenas o mínimo denominador comum – conclusão especialmente verdadeira no caso das negociações climáticas.
E aqui nos deparamos com a segunda pedra no caminho de Paris, relacionada às próprias caraterísticas do problema que se quer combater. Em temas como a regulação das emissões de gases de efeito estufa – que requerem uma complicada coordenação de políticas custosas e que, portanto, afetam a competitividade nacional – os compromissos que um país está disposto a assumir dependem daqueles que seus concorrentes econômicos assumirem, o que gera uma barganha justificável, porém mesquinha que impede os países de alcançarem o seu potencial máximo de redução de emissões.
Alinhar esses compromissos – as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas, que deverão ser entregues no primeiro trimestre de 2015 – é a árdua tarefa dos negociadores durante o ano que vem. Essa definição “de baixo para cima” (bottom-up) do que os países estão de fato dispostos e são capazes de fazer permitirá prever objetivos globais baseados nesses dados de realidade. Logo, é essencial que o processo vá além da fixação de metas – como aquela de limitar o aumento da temperatura global a 2ºC – e insista em estabelecer as medidas de controle de emissões que os governos irão adotar. Menos promessas e mais políticas.
Os dois fatores que podem dificultar que se chegue a um acordo em dezembro do ano que vem não são, por si sós, negativos. O consenso legitima os acordos da ONU, cujo caráter democrático deveria contribuir, em princípio, para sua efetividade. E a preocupação com a competitividade nacional face à de outros Estados é perfeitamente razoável e justa. Porém, combinados, servem de instrumento e pretexto para que soberanismos irracionais se imponham sobre uma agenda que a sociedade global precisa adotar com urgência. 2015 é o ano de superar esses obstáculos. Caso contrário, como no poema, nunca esqueceremos que no meio do caminho tinha duas pedras. Tinha duas pedras no meio do caminho.

Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 22 de agosto de 2014, p. A13.

3 entrevistas sobre Sustentabilidade nos Negócios

"Empresas sustentáveis têm ganho de valor", na Folha de S.Paulo - TV Folha:

"Como adotar a sustentabilidade no dia a dia", na Folha de S.Paulo - TV Folha:

"A sustentabilidade nos negócios", na Dukascopy TV: