Terra da Oportunidade
As campanhas dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos da América, cuja eleição ocorrerá no próximo dia 6 de novembro, poderiam gravitar em torno de diversos temas. Aspectos morais são, normalmente, fator relevante para a decisão dos eleitores daquele país. Aspectos econômicos, especialmente neste ano, ainda sob influência da maior crise financeira desde a Grande Depressão da década de 30, sempre têm muito peso no processo eleitoral. Ao que tudo indica, no entanto, a eleição norte-americana escolheu como principal tema de debate um aspecto mais institucional e filosófico, relacionado à forma como os dois candidatos e seus partidos veem a questão da oportunidade na sociedade.
Para os republicanos, a oportunidade aparece de forma espontânea, bastando deixar os cidadãos livres para empreender e alcançar o sucesso. Quando buscam modelos, apontam para o topo das camadas sociais, procurando mostrar que é possível ser bem sucedido por sua própria conta e iniciativa, independentemente da ação do Estado – o seu próprio candidato a Presidente, Mitt Romney, pretende simbolizar isso.
Preocupações – fundamentais, diga-se de passagem – com o déficit público e com o aumento da competitividade predominam no discurso baseado na certeza de que basta deixar o caminho livre e desimpedido para que os indivíduos – ainda que apenas alguns deles – prosperem. A raiz desse pensamento, na área política, pode ser encontrada nas ideias do Filósofo inglês John Locke (1632-1704), as quais, acredita-se, inspiraram a famosa frase utilizada na Declaração de Independência norte-americana que estabelece como direitos inalienáveis a vida, a liberdade e a busca da felicidade – lemas que, historicamente, sempre foram associados à concepção de um governo limitado. Na área econômica, mais recentemente, esse pensamento foi reforçado pelas opiniões de Milton Friedman (1912-2006), Professor da Universidade de Chicago que se opunha ao keynesianismo dominante, defendendo uma política macroeconômica de livre mercado e intervenção mínima do Estado.
Essa crença na mão invisível do mercado permanece inabalável no discurso republicano, mesmo quando o mercado mete os pés pelas mãos de forma bem visível – como ocorreu na crise de 2008. Na Convenção desse partido, por exemplo, o candidato a vice, Paul Ryan, deixou claro que, entre impor limites ao crescimento e impor limites ao tamanho do governo, “eles escolhem limitar o governo”, apostando na redução de impostos, na simplificação da regulação e “no potencial de uma nação livre, no poder da livre iniciativa e das comunidades fortes de superar a pobreza e o desespero”.
Já os democratas, na área econômica, parecem ainda sob a influência de John Maynard Keynes (1883-1946) – lembrando que as ideias desse economista foram postas em prática pelo governo democrata de Franklin Roosevelt, que procurou combater a depressão econômica por meio de fortes gastos públicos. E, politicamente, os democratas dão a impressão de seguir o pensamento de filósofos como John Rawls (1921-2002), que defendem que a igualdade de oportunidades tem que ser garantida pelo Estado, caso contrário os indivíduos não conseguirão desenvolver as suas reais capacidades – usando a terminologia de Amartya Sen que, embora critique Rawls, concorda com ele nesse ponto –, o que impedirá que o ideal de justiça seja alcançado.
Assim, os democratas tendem a concentrar suas preocupações nas dificuldades que cidadãos de diferentes origens podem enfrentar para chegar ao sucesso, em um mundo cada vez mais competitivo, em que preocupações básicas com saúde e educação podem impedir que as pessoas avancem. Na Convenção desse partido, o discurso que deixou mais claro esse ponto de vista foi o do Prefeito de San Antonio, Julian Castro, que afirmou acreditar que a “oportunidade hoje criada levaria à prosperidade de amanhã” e que, embora seja normal em uma economia de livre mercado que alguns tenham mais sucesso que outros, não é aceitável que alguns “sequer tenham chance” de fazê-lo.
Obama, melhor do que ninguém, inclusive em seu próprio partido – nem mesmo Bill Clinton, provavelmente o melhor político mundial da atualidade – reflete essa visão mais multicolorida, em contraste com a convicção monocromática de seus adversários, que tardam em reconhecer que os Estados Unidos se tornaram um país menos homogêneo, em que as diferenças de ponto de partida entre os cidadãos passaram a representar um peso maior do que antes na hora de determinar quem conseguirá alcançar o sucesso. Em seu discurso na Convenção Democrata, pregou: "Sim, nossa estrada é longa, mas viajamos juntos. [...]. Não deixamos ninguém para trás. Nós nos ajudamos".
O elefante republicano se vê no espelho e esquece que nem todos têm o mesmo tamanho e que alguns precisam de ajuda para desenvolver as suas capacidades e crescer. Por entender a sociedade de uma forma mais complexa e interdependente, o burro democrata, por sua vez, vacila e empaca, o que pode levar a governos menos determinados – e Obama é visto, por muitos, como um Presidente hesitante.
Pesquisas acabam capturando essa percepção de que a empatia com o candidato que se preocupa em não abandonar ninguém nem sempre é acompanhada da confiança de que ele é o mais indicado para o comando. Em uma enquete recente, realizada pelo Washington Post/ABC News, diante da pergunta sobre qual dos candidatos seria “um amigo mais confiável”, 50% dos eleitores escolheram o democrata e 36% o republicano. E “quem você convidaria para jantar na sua casa?”: 52% levariam Obama e 36% Romney. No entanto, quando questionados sobre quem gostariam que fosse “o capitão de um navio durante uma tempestade”, os números entre eleitores independentes passam a ser de 44% para o republicano e 43% para o democrata.
Só empatia, portanto, não é suficiente para ganhar a eleição. Obama terá que mostrar que sua ideologia funciona e que seus planos são mais eficientes do que os de seu adversário que, amparado no discurso de que só não consegue quem não quer, tenta se valer de seu perfil de self-made man para demonstrar que Obama é, vá lá, um sujeito legal, mas não está preparado para dirigir o país nesses tempos difíceis.
Certo reconhecimento de que lá, como em nenhum outro país, seria o melhor lugar do mundo para um indivíduo prosperar, não importando a sua origem social ou familiar, conferiu aos Estados Unidos a fama de “terra da oportunidade”. Os candidatos parecem diferir, no entanto, sobre o papel que o governo tem em assegurar que isso aconteça. A eleição caminha, assim, para um embate entre o liberalismo político e o liberalismo econômico. Como meio termo lá não há, a disputa se resolverá com base na percepção que a população norte-americana terá de qual dessas visões pode resolver os seus problemas presentes sem minar as condições para um futuro melhor.