segunda-feira, 9 de abril de 2012

Governança Global da Sustentabilidade - Artigo - Abril 2012

A importância da governança global
para o desenvolvimento sustentável
Eduardo Felipe P. Matias

Um dos dois principais temas da Rio+20, a “estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável” é tão ou mais essencial do que a “economia verde” – o outro foco, mais badalado, dessa conferência. Alcançar um mundo mais sustentável passa por encontrar um modelo de organização que imprima eficiência às atividades promovidas pelas diversas instituições da sociedade global.
Para atingir esse objetivo, entretanto, o debate precisa ser mais matizado do que o que se viu até agora. Isso porque este tem se limitado a apenas alguns aspectos dessa estrutura institucional. A discussão na Rio+20 deve girar em torno de reformas nas entidades do sistema da ONU, como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o Conselho Social e Econômico (ECOSOC, na sigla em inglês) e a Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável dessa organização. Ou, se ousar muito, deve entrar no mérito da criação de uma nova agência especializada de caráter abrangente, que sirva de “guarda-chuva” para os diversos acordos existentes, ou seja, uma “Organização Mundial do Meio Ambiente”, nos moldes da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Esse escopo precisa, no entanto, ser ampliado. Há algum tempo vem se dizendo que aplicar à análise da governança da sustentabilidade o repertório padrão das relações internacionais é uma abordagem para lá de incompleta. Levar em conta somente as negociações diplomáticas interestatais e entender os atores não estatais apenas como grupos de pressão que procuram influenciar os acordos internacionais é um equívoco.
Esses atores, na verdade, participam de um complexo sistema de governança global, que tem características peculiares e difere, por exemplo, do que seria um “governo mundial”. Autores como James Rosenau diferenciam esses dois conceitos, afirmando que, enquanto “governo” refere-se a instituições formais e, portanto, a estruturas, “governança” é uma função social ou um processo, e pode ser alcançada por meio de redes ou grupos de instituições, públicas ou privadas, em diversos níveis – subnacional, nacional, regional, internacional, sociedade civil, supranacional. Isso permitiria à sociedade global gozar dos benefícios do governo sem a existência de uma estrutura formal, o que resulta na ideia de “governance without government”.1
Tanto quanto o governo, a governança consiste em sistemas de regras ou mecanismos de direção nos quais a autoridade é exercida. Essa autoridade equivale a ser reconhecido como tendo o direito de emitir ordens que serão cumpridas por aqueles para os quais estão dirigidas. E esse reconhecimento pode se dar de diversas maneiras – às vezes, por meio de instrumentos formais, como um tratado, às vezes informalmente, como um conjunto de práticas costumeiras adotadas por um determinado grupo. Nesse sentido, muitos desses atores não estatais são o que Rosenau define como “esferas de autoridade”.
Logo, o aperfeiçoamento da arquitetura institucional para o desenvolvimento sustentável passa pela identificação dos atores que, por serem esferas de autoridade representativas, podem contribuir para a promoção da sustentabilidade.
Claro que os Estados ainda são peças muito relevantes desse quebra-cabeça, por sua capacidade praticamente inigualável de regular e incentivar comportamentos. Mas importam também unidades infraestatais, como as cidades, que têm tomado iniciativas como a formação de redes municipais para a governança do clima.
São também atores fundamentais as instituições internacionais focadas no meio ambiente – entre elas, aquelas do sistema da ONU, razão pela qual o debate que terá lugar na Rio+20 é importante, apesar de seu escopo limitado. Porém, têm um papel significativo também aquelas organizações internacionais que, embora não tenham caráter essencialmente ambiental, possuem grande poder de influência nessa área, como o Banco Mundial – com seu poder de condicionar financiamentos a práticas sustentáveis – e a OMC – cujo mandato amplo lhe permite interferir em assuntos relacionados ao meio ambiente.
Por fim, há também os atores transnacionais, como as ONGs e as empresas que, deliberadamente, tratam de problemas relacionados à sustentabilidade mesmo sem serem forçados, persuadidos ou financiados pelos Estados ou outras agências públicas.2 Esses atores são, muitas vezes, responsáveis por iniciativas que têm grande peso na promoção da sustentabilidade, como sistemas de gestão ambiental, códigos de conduta, indicadores e relatórios socioambientais, certificações diversas etc.
Se analisarmos com atenção, perceberemos que diversas funções de governança ambiental – definição de agenda, monitoramento, criação de regras, enforcement, financiamento, entre outras – são exercidas, dependendo do caso, por vários desses atores.
A governança global é, portanto, por sua própria natureza, descentralizada. Ainda assim, as posições sobre a melhor arquitetura para a regulação ambiental se dividem entre aqueles que prefeririam apostar em uma ordem mais fragmentada e flexível e aqueles que acreditam que esta deva ser unificada. Para estes últimos, a sobreposição de responsabilidades e tarefas entre diferentes atores na governança ambiental internacional seria algo negativo – o que os levaria a preferir soluções como a criação de uma “OMC do Meio Ambiente”.
Porém, autores como Peter Haas observam que esse impulso até natural na direção da centralização vai contra o que pensam “os mais sofisticados teóricos organizacionais sobre o melhor design institucional para tratar problemas complexos, como os assuntos ambientais globais”. A fragmentação da governança global agilizaria os processos e facilitaria a inovação, e algum grau de redundância seria na verdade desejável, por garantir uma espécie de “seguro” contra o declínio de qualquer instituição internacional, de modo que a eliminação ou inatividade de uma delas não ponha em risco toda a rede. Seria um erro concluir que uma governança descentralizada é, necessariamente, incoerente. Ainda que essas diversas iniciativas possam, muitas vezes, parecer desconexas, é possível tirar vantagem das sinergias entre redes de atores operando em diferentes níveis.3
Logo, assegurar o desenvolvimento sustentável é missão para a governança global. O aperfeiçoamento das instituições internacionais existentes ou a criação de uma organização ambiental com vocação universal podem representar grandes contribuições para esse sistema. No entanto, não devemos esquecer que a fragmentação da governança global é um fato, e pode até ser uma vantagem. Entender essa realidade e aprender como lidar com ela e tirar proveito de suas características é a difícil missão de todos aqueles que pretendem ajudar a construir, no tempo necessário, o complexo edifício da sustentabilidade mundial.


NOTAS
[1]   Cf. ROSENAU, James N. Governing the ungovernable: The challenge of a global disaggregation of authority. Regulation & Governance; Mar. 2007, V. 1 Issue 1, p. 88-97.
2   Cf. PATTBERG, Philipp. Beyond the public and private divide: remapping transnational climate governance in the 21st century. International Environmental Agreements: Politics, Law & Economics; Dec. 2008, V. 8 Issue 4, p. 367-388.
3   HAAS, Peter M. Addressing the Global Governance Deficit. Global Environmental Politics. Nov. 2004, V. 4 Issue 4, p. 1-15.


Artigo publicado na Revista Jurídica Consulex em 1 de abril de 2012