os perigos do protecionismo
Eduardo Felipe P. Matias
Se crises econômicas costumam provocar protecionismo, grandes crises econômicas tendem a causar grande aumento no protecionismo. Desde 2008, a maioria dos países tem se dedicado a recuperar suas economias e a lutar contra os efeitos nocivos da maior crise das últimas décadas. A pouca paciência de governantes e eleitores por soluções de médio e longo prazos estimula a lógica do “cada um por si” que leva, quase inevitavelmente, a medidas paliativas de caráter protecionista, nem sempre adequadas.
O Brasil, durante esse período, não fugiu à regra. Desde 2008, o País vem criando, em média, uma nova barreira a cada quinze dias, o que contribuiu para alçá-lo, no final de 2011, à posição de economia mais fechada do G-20, segundo levantamento realizado pela Câmara Internacional de Comércio.
Vale fazer uma ressalva. O protecionismo é uma atitude negativa para com a abertura comercial e as importações em geral, amparado em medidas que beneficiam a produção doméstica em detrimento de competidores estrangeiros. Parte das ações adotadas pelo governo brasileiro, no entanto, são de defesa comercial, e não necessariamente protecionistas. É o caso de medidas antidumping, que procuram evitar que produtores nacionais sejam prejudicados por importações realizadas a preços inferiores àqueles praticados para o produto similar na venda para consumo interno no país exportador. Isso vale também para medidas de salvaguarda, utilizadas quando o aumento no fluxo das importações de determinado produto cause, ou ameace causar, prejuízo grave aos produtores domésticos daquele setor, e para as medidas compensatórias, que têm como objetivo compensar certos tipos de subsídio concedidos pelo país exportador que causem dano à indústria doméstica. Todas essas medidas estão amparadas pelos acordos da Organização Mundial do Comércio e, desde que aplicadas respeitando-se os requisitos estabelecidos por essas regras, afiguram-se legítimas para deter a concorrência desleal.
Por isso, vale analisar cada uma das ações adotadas, caso a caso. Isso se aplica às medidas de defesa comercial, mas também às outras políticas. No caso do pacote recentemente anunciado pelo Governo Federal, por exemplo, uma das medidas é a cobrança do PIS e da COFINS sobre produtos importados, de forma a compensar a desoneração da folha de pagamento que foi oferecida a quinze setores industriais. Dependendo de como for aplicada, essa cobrança pode ser questionada, já que um dos princípios fundamentais das regras da OMC é o do “tratamento nacional”, que impede o tratamento diferenciado entre produtos nacionais e importados, com o objetivo de discriminar os últimos.
Cabe então perguntar o que justificaria o protecionismo, e mais importante ainda, se este compensa.
O paradigma clássico para a proteção comercial, que é o da preservação das indústrias nascentes, parece não se aplicar ao caso brasileiro. Aqui, a necessidade de proteção tem sido vista de forma mais ampla, tendo como principal justificativa a excessiva valorização do real. É verdade que a OMC precisará, em algum momento, tratar dessa questão cambial, pois ela coloca em risco todos os compromissos acordados naquela organização, ao tornar pouco realistas os tetos e alíquotas anteriormente negociados. Quando essa variação se deve a uma subvalorização proposital da moeda, por parte de alguns países, deveria ser impedida, por equivaler a um subsídio às exportações.
O protecionismo, no entanto, justificável ou não, é um tiro que pode sair pela culatra.
No plano internacional, certas medidas podem não apenas contribuir para uma perigosa escalada do protecionismo e retração do comércio internacional, com graves perdas econômicas, mas também tendem a provocar medidas recíprocas que prejudicariam diretamente os produtores nacionais. Um exemplo é a nova margem de preferência de 25% que o Governo Federal pretende dar às empresas nacionais nas compras governamentais – medida que pode gerar retaliações de outros países que decidam adotar o mesmo princípio, atrapalhando as empresas brasileiras que quiserem atuar nesses processos de compras no exterior.
Internamente, a proteção excessiva leva à perda de competitividade e à diminuição do bem-estar geral da população. O protecionismo pode estar atendendo aos anseios de apenas uma parte ineficiente do setor produtivo, em detrimento da sociedade – que arca com a inflação de preços – ou do setor produtivo como um todo. Vale lembrar que penalizar as importações pode causar um aumento no preço de insumos necessários à produção, o que torna a nossa economia menos competitiva também nas exportações. Seria um “tiro no pé” para um país que já exporta pouco – segundo levantamento recente da OMC, continuamos em 22º lugar entre os exportadores de mercadorias, com participação de apenas 1,4% das exportações mundiais.
Além disso, de nada adianta adotar medidas emergenciais sem se preocupar em consertar as graves deficiências estruturais que estão na raiz das dificuldades enfrentadas pela indústria. Por isso, é fundamental que exista uma política de desenvolvimento industrial clara, que venha acompanhada de ações para diminuir impostos, revitalizar a infraestrutura, tornar o crédito mais barato, reduzir o valor dos insumos – o Brasil tem a terceira tarifa de energia elétrica mais cara do mundo –, investir em educação e em capacitação de mão de obra, entre outros itens de uma lista já bem conhecida.
Sem isso, voltaremos a cometer velhos erros. Historicamente, o protecionismo atrasou o desenvolvimento tecnológico do País, pela reserva de informática dos anos 1970, e gerou uma indústria automobilística que ganhou a fama de produzir carroças, pelo menos até a abertura do mercado. No setor de brinquedos, o Brasil implantou salvaguarda na década de 1990 para proteger a indústria nacional da avalanche de produtos chineses extremamente baratos. No entanto, essa ação não foi acompanhada por um planejamento de longo prazo, perdendo-se a oportunidade de implementação de uma estratégia para que, durante a salvaguarda, as empresas brasileiras se preparassem para competir de igual para igual com as estrangeiras. Hoje, os brinquedos importados representam 70% do mercado doméstico e os empresários locais continuam reclamando da disputa desigual. O mesmo ocorre com o setor automobilístico, que, apesar da proteção de que gozou no passado, volta a demandar amparo. Nesse sentido, as recentes medidas anunciadas para o setor ao menos mostram uma preocupação em atrelar o desconto no IPI das montadoras a investimentos em pesquisa e inovação, no monitoramento da eficiência energética e emissões de gases dos veículos.
Logo, apenas limitar a concorrência não resolve o problema. Ao contrário, pode protelar decisões importantes, favorecer a acomodação e gerar estagnação. Eventuais medidas de proteção devem vir acompanhadas de ações consistentes para fomentar a competitividade, evitando-se o risco de ter premiada a ineficiência e consolidada a falta de competência.