INOVAR PELO CLIMA
Eduardo
Felipe Matias
Com o Acordo de Paris, a desacreditada
globalização marca um gol, mas dificilmente se conseguirá vencer a mudança
climática sem que o avanço tecnológico entre em campo.
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GLOBALIZAÇÃO, INOVAÇÃO tecnológica e sustentabilidade, três
tendências que moldam o mundo nas últimas décadas, passam por momentos
distintos. A primeira, ainda que persista, se vê atacada pela onda de
protecionismo, nacionalismo e xenofobia. A segunda, a inovação tecnológica, é
cada vez mais valorizada, por sua capacidade de transformar a nossa vida. Já a
terceira, a sustentabilidade, festejou a entrada em vigor do Acordo de Paris,
que trata daquele que é provavelmente o maior desafio relacionado ao
desenvolvimento sustentável: a mudança do clima. Mas, sem contar com as duas
primeiras tendências – a globalização e a inovação tecnológica –, o aquecimento
global dificilmente será detido.
O ano
de 2016 quebrou o terceiro recorde consecutivo de calor desde que as
temperaturas começaram a ser medidas, em 1880. A percepção de que a chapa está
esquentando levou a comunidade internacional a pôr fim a arrastadas
negociações, assinar o acordo sobre o clima e atingir o número de ratificações
necessário para que começasse a valer.
Embora
a vitória de Donald Trump, cujo discurso consegue unir antiglobalização e
negação da mudança climática, represente um eventual revés, o caráter verdadeiramente
global do acordo lhe confere perspectivas reais de sucesso. O pacto abrange
quase 200 países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, em um
reconhecimento de que, ainda que de forma diferenciada, todos compartilham a
responsabilidade de combater as mudanças climáticas. O acordo deverá também ter
mais chance de ser bem-sucedido porque se apoia no tripé
ambição-revisão-transparência.
A
ambição é conter o aumento da temperatura média mundial em bem menos do que 2
graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, procurando não passar de 1,5
grau. Estudos demonstram, porém, que, pelas “contribuições nacionalmente
determinadas” apresentadas de início, esse aumento seria de algo em torno de 3
graus – o que é agravado pelo fato de que nem todas elas são incondicionais,
pois algumas dependem, por exemplo, de financiamento externo. Reconhecendo essa
deficiência, o acordo prevê a revisão das contribuições a cada cinco anos e
estabelece que estas podem ser melhoradas, nunca reduzidas. E, para que se
construa a confiança mútua de que cada país realmente honrará o prometido,
outro aspecto essencial previsto no instrumento é a transparência – será
necessário medir, relatar e verificar o cumprimento das metas. Tanto a revisão
quanto a transparência precisam ter como pano de fundo os tetos de temperatura
ambicionados, que devem servir de norte.
Respeitar
esses limites é, no entanto, missão complicada. Demanda cortar fortemente as
emissões – até porque a temperatura média global já subiu mais de 1 grau
Celsius em relação à era pré-industrial –, e isso depende de alterações
radicais em áreas como transporte e geração de energia. Por isso, mais
importante que as metas são as políticas nacionais criadas para atingi-las.
Estas devem ser desenhadas, de forma geral, para induzir mudanças de hábito e
estimular a adoção de métodos de produção mais limpa. Nesse sentido, poucas
medidas teriam mais eficácia do que a chamada “precificação do carbono”, que é
a atribuição de um custo ás emissões, por meio da tributação, por exemplo.
O
sucesso implica também repensar a globalização. Ficou insustentável o modelo de
crescimento caracterizado pela expansão incessante dos níveis de produção e
consumo em um planeta onde os recursos são escassos. Surge aí um dilema.
Sabe-se que é preciso mudar o modelo atual, mais impedir seu avanço quando
muitas populações ainda não alcançaram um nível mínimo de conforto material é
algo contestado por diversos países. Em busca do crescimento econômico
ininterrupto, essas nações continuam aumentando suas emissões. Como
possibilitar que essas sociedades se desenvolvam sem agredir o ambiente?
A
resposta pode estar na inovação tecnológica, que vem revolucionando a economia
e a sociedade. A manifestação emblemática dessa transformação pode ser
observada no nascimento de startups apoiadas em técnicas revolucionárias e
conceitos como a economia compartilhada.
Assim,
as políticas concebidas para alcançar os objetivos do Acordo de Paris não podem
deixar de lado os investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Sem tecnologias disruptivas
não será fácil superar o dilema do crescimento, dada a magnitude dessa tarefa.
As ações dos governos deveriam ainda fazer a ponte com o efervescente ecossistema
empreendedor, com vistas ao direcionamento dos esforços para o avanço na área
de energias renováveis e limpas. Há enormes oportunidades de ganho nessa área.
A propósito, a criação de polos de inovação para a sustentabilidade seria uma
ótima aposta de política pública para o Brasil.
Sem a
tecnologia, é improvável que consigamos compatibilizar globalização e
sustentabilidade. A relação é, de certa maneira, paradoxal. A globalização
tende a ser vista como vilã ambiental, entretanto pode contribuir para promover
o desenvolvimento sustentável. Isso por ao menos três motivos. Primeiro, porque
a livre-iniciativa garante espaço para o dinamismo empresarial e a
criatividade, dois fatores essenciais para abrir caminhos inéditos para os
desafios ambientais. Segundo, porque a abertura comercial permite que as
soluções e os produtos criados se propaguem mais rapidamente do que em um mundo
fechado. Terceiro, porque, ao favorecer o intercâmbio entre os povos, inclusive
de informações, a globalização ajuda a divulgar os desastres causados pelas
mudanças climáticas ao redor do mundo, disseminando o senso de urgência de
abraçar uma nova mentalidade que considere a sustentabilidade um valor
imperativo para a civilização do século XXI.
O
aquecimento global evidencia nossa natural interdependência, e detê-lo passa
por reconhecer essa interdependência, não por tentar afastá-la. Trump
presidente, assim como o Brexit e a reação negativa de alguns países da Europa
ante a crise de refugiados, vai contra essa necessidade. A entrada em vigor do
novo acordo do clima, por sua vez, é um alento, lembrando que a cooperação
internacional ainda tem um papel relevante a exercer na resposta aos problemas
comuns a todos os povos.
O Acordo
de Paris confere uma sinalização clara de que iniciamos um caminho sem volta
rumo a uma nova era, centrada na economia verde, e a iniciativa privada já
começou a se mover nessa direção. É preciso, agora, pressionar os governos de
todo o mundo para que as metas por eles adotadas sejam compatíveis com a
ambição declarada; e, principalmente, para que as políticas implementadas sejam
capazes de promover um círculo virtuoso de sustentabilidade baseado não só no
despertar de uma nova consciência, mas também no impulso à inovação e à difusão
de tecnologias aptas a desencadear uma revolução do baixo carbono, permitindo
que a humanidade se safe da enrascada em que se meteu.
Eduardo
Felipe Matias é sócio de NELM Advogados, duas vezes
ganhador do Prêmio Jabuti, com os livros A Humanidade e suas Fronteiras e A
Humanidade contra as Cordas
Artigo
publicado originalmente na Revista Veja, edição 2512, de 11 de janeiro de 2017,
p. 46-47. Para acessar o PDF das páginas da revista contendo o artigo, clique aqui.