terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Artigo - revista Veja - 11/01/17


INOVAR PELO CLIMA

Eduardo Felipe Matias

Com o Acordo de Paris, a desacreditada globalização marca um gol, mas dificilmente se conseguirá vencer a mudança climática sem que o avanço tecnológico entre em campo.

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GLOBALIZAÇÃO, INOVAÇÃO tecnológica e sustentabilidade, três tendências que moldam o mundo nas últimas décadas, passam por momentos distintos. A primeira, ainda que persista, se vê atacada pela onda de protecionismo, nacionalismo e xenofobia. A segunda, a inovação tecnológica, é cada vez mais valorizada, por sua capacidade de transformar a nossa vida. Já a terceira, a sustentabilidade, festejou a entrada em vigor do Acordo de Paris, que trata daquele que é provavelmente o maior desafio relacionado ao desenvolvimento sustentável: a mudança do clima. Mas, sem contar com as duas primeiras tendências – a globalização e a inovação tecnológica –, o aquecimento global dificilmente será detido.

O ano de 2016 quebrou o terceiro recorde consecutivo de calor desde que as temperaturas começaram a ser medidas, em 1880. A percepção de que a chapa está esquentando levou a comunidade internacional a pôr fim a arrastadas negociações, assinar o acordo sobre o clima e atingir o número de ratificações necessário para que começasse a valer.

Embora a vitória de Donald Trump, cujo discurso consegue unir antiglobalização e negação da mudança climática, represente um eventual revés, o caráter verdadeiramente global do acordo lhe confere perspectivas reais de sucesso. O pacto abrange quase 200 países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, em um reconhecimento de que, ainda que de forma diferenciada, todos compartilham a responsabilidade de combater as mudanças climáticas. O acordo deverá também ter mais chance de ser bem-sucedido porque se apoia no tripé ambição-revisão-transparência.

A ambição é conter o aumento da temperatura média mundial em bem menos do que 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, procurando não passar de 1,5 grau. Estudos demonstram, porém, que, pelas “contribuições nacionalmente determinadas” apresentadas de início, esse aumento seria de algo em torno de 3 graus – o que é agravado pelo fato de que nem todas elas são incondicionais, pois algumas dependem, por exemplo, de financiamento externo. Reconhecendo essa deficiência, o acordo prevê a revisão das contribuições a cada cinco anos e estabelece que estas podem ser melhoradas, nunca reduzidas. E, para que se construa a confiança mútua de que cada país realmente honrará o prometido, outro aspecto essencial previsto no instrumento é a transparência – será necessário medir, relatar e verificar o cumprimento das metas. Tanto a revisão quanto a transparência precisam ter como pano de fundo os tetos de temperatura ambicionados, que devem servir de norte.

Respeitar esses limites é, no entanto, missão complicada. Demanda cortar fortemente as emissões – até porque a temperatura média global já subiu mais de 1 grau Celsius em relação à era pré-industrial –, e isso depende de alterações radicais em áreas como transporte e geração de energia. Por isso, mais importante que as metas são as políticas nacionais criadas para atingi-las. Estas devem ser desenhadas, de forma geral, para induzir mudanças de hábito e estimular a adoção de métodos de produção mais limpa. Nesse sentido, poucas medidas teriam mais eficácia do que a chamada “precificação do carbono”, que é a atribuição de um custo ás emissões, por meio da tributação, por exemplo.

O sucesso implica também repensar a globalização. Ficou insustentável o modelo de crescimento caracterizado pela expansão incessante dos níveis de produção e consumo em um planeta onde os recursos são escassos. Surge aí um dilema. Sabe-se que é preciso mudar o modelo atual, mais impedir seu avanço quando muitas populações ainda não alcançaram um nível mínimo de conforto material é algo contestado por diversos países. Em busca do crescimento econômico ininterrupto, essas nações continuam aumentando suas emissões. Como possibilitar que essas sociedades se desenvolvam sem agredir o ambiente?

A resposta pode estar na inovação tecnológica, que vem revolucionando a economia e a sociedade. A manifestação emblemática dessa transformação pode ser observada no nascimento de startups apoiadas em técnicas revolucionárias e conceitos como a economia compartilhada.

Assim, as políticas concebidas para alcançar os objetivos do Acordo de Paris não podem deixar de lado os investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Sem tecnologias disruptivas não será fácil superar o dilema do crescimento, dada a magnitude dessa tarefa. As ações dos governos deveriam ainda fazer a ponte com o efervescente ecossistema empreendedor, com vistas ao direcionamento dos esforços para o avanço na área de energias renováveis e limpas. Há enormes oportunidades de ganho nessa área. A propósito, a criação de polos de inovação para a sustentabilidade seria uma ótima aposta de política pública para o Brasil.

Sem a tecnologia, é improvável que consigamos compatibilizar globalização e sustentabilidade. A relação é, de certa maneira, paradoxal. A globalização tende a ser vista como vilã ambiental, entretanto pode contribuir para promover o desenvolvimento sustentável. Isso por ao menos três motivos. Primeiro, porque a livre-iniciativa garante espaço para o dinamismo empresarial e a criatividade, dois fatores essenciais para abrir caminhos inéditos para os desafios ambientais. Segundo, porque a abertura comercial permite que as soluções e os produtos criados se propaguem mais rapidamente do que em um mundo fechado. Terceiro, porque, ao favorecer o intercâmbio entre os povos, inclusive de informações, a globalização ajuda a divulgar os desastres causados pelas mudanças climáticas ao redor do mundo, disseminando o senso de urgência de abraçar uma nova mentalidade que considere a sustentabilidade um valor imperativo para a civilização do século XXI.

O aquecimento global evidencia nossa natural interdependência, e detê-lo passa por reconhecer essa interdependência, não por tentar afastá-la. Trump presidente, assim como o Brexit e a reação negativa de alguns países da Europa ante a crise de refugiados, vai contra essa necessidade. A entrada em vigor do novo acordo do clima, por sua vez, é um alento, lembrando que a cooperação internacional ainda tem um papel relevante a exercer na resposta aos problemas comuns a todos os povos.

O Acordo de Paris confere uma sinalização clara de que iniciamos um caminho sem volta rumo a uma nova era, centrada na economia verde, e a iniciativa privada já começou a se mover nessa direção. É preciso, agora, pressionar os governos de todo o mundo para que as metas por eles adotadas sejam compatíveis com a ambição declarada; e, principalmente, para que as políticas implementadas sejam capazes de promover um círculo virtuoso de sustentabilidade baseado não só no despertar de uma nova consciência, mas também no impulso à inovação e à difusão de tecnologias aptas a desencadear uma revolução do baixo carbono, permitindo que a humanidade se safe da enrascada em que se meteu.

Eduardo Felipe Matias é sócio de NELM Advogados, duas vezes ganhador do Prêmio Jabuti, com os livros A Humanidade e suas Fronteiras e A Humanidade contra as Cordas

Artigo publicado originalmente na Revista Veja, edição 2512, de 11 de janeiro de 2017, p. 46-47. Para acessar o PDF das páginas da revista contendo o artigo, clique aqui.