segunda-feira, 9 de março de 2015

Coluna Míriam Leitão - O Globo - entrevista Eduardo Felipe Matias - 18/02/2015

Fora da Rede


Um mistério ronda o comércio externo brasileiro. Por que as exportações não vão elevar o PIB, se o real está mais fraco e o mundo vai crescer mais? O ceticismo sobre o impacto positivo do câmbio e do crescimento mundial no comércio vem do fato de o Brasil ter poucos acordos bilaterais, continuar amarrado ao Mercosul e não participar das grandes cadeias mundiais de produção.
O Brasil está fora da rede. Com o sétimo maior PIB nominal do Mundo — até o último ranking divulgado — o Brasil é só o 22º maior exportador. Nossas vendas para o exterior representam apenas 1,3% do total vendido no mundo. A corrente de comércio brasileira é 21% do nosso PIB, o mesmo nível de 10 anos atrás. O Brasil continua sendo um país fechado.
As projeções para 2015 são de estagnação do PIB, com risco de recessão. O consumo está perdendo força, as incertezas suspenderam projetos de investimento. Em pouco mais de três anos, o real perdeu 52% do valor em relação ao dólar. Em janeiro de 2012, a moeda americana valia R$ 1,86, segundo dados do Banco Central. No fechamento da última sexta-feira, foi cotado a R$ 2,83. Essa queda é boa para quem exporta porque torna o produto brasileiro mais barato no exterior. Apesar disso, ninguém espera um grande impulso nas exportações este ano.
— O Brasil tem apenas três acordos bilaterais de comércio firmados, e apenas um está em vigor, com Israel. Tem poucos acordos bilaterais de investimento e poucos tratados que evitam a bitributação entre países. Não faz parte da OCDE e não integra o Centro Internacional para Resolução de Disputas de Investimento. Tudo isso explica por que não vamos conseguir crescer pelo canal das exportações — diz Eduardo Felipe Matias, doutor em direito internacional pela USP e autor de livros sobre globalização, sustentabilidade e comércio internacional.
Os números mostram como o Brasil fez pouco para ampliar sua rede de parceiros comerciais. Ficou acomodado durante o período de alta dos preços das commodities, que agora entraram em fase de declínio. Enquanto tem apenas três acordos bilaterais de comércio, o Chile tem 21; o Peru, 16; México, 13; e a Colômbia, 12, segundo dados de 2013 da OMC.
Há ainda acordos mais amplos, como o firmado por México, Chile, Peru e Colômbia, na Aliança do Pacífico, uma zona de livre comércio entre eles. Em outras partes do mundo, EUA e Europa negociam a Parceria Transatlântica. Além disso, EUA, Japão, Canadá, Austrália, México e Chile, entre outros, negociam a Parceria Transpacífica.
De tratados que evitam a bitributação, reduzindo custos e estimulando a internacionalização de empresas, o Brasil tem 29 fechados. Nenhum deles assinado de 2009 para cá, segundo Eduardo Matias. Não temos tratados com EUA e Alemanha, duas das maiores potências comerciais do mundo. Já a China possui 98, e a Índia, 86. Quando o tema são os acordos bilaterais de investimento, que dão segurança ao investidor estrangeiro, o Brasil também tem ficado para trás. Há apenas 14 assinados, e nenhum ratificado. A China possui 130; a Rússia, 73; e a Índia, 84.
— Os acordos são muito amplos e vão estabelecendo uma rede jurídica que dá proteção e segurança a vários tipos de assuntos, como propriedade intelectual, governança corporativa, movimentação de capitais, sustentabilidade. Estabelecem órgão internacionais de arbitragem. O Brasil não está participando dessas discussões, que definem padrões. Para se inserir nas grandes cadeias mundiais de produção, é preciso estar dentro de certas normas — explicou Matias.
De 2011 a 2014, as exportações brasileiras caíram 12%, de US$ 256 bilhões para US$ 225 bi. O saldo comercial, que já foi de US$ 46 bilhões em 2006, virou déficit de US$ 4 bilhões no ano passado. O período de boom das matérias-primas ficou para trás, com preços menos favoráveis para o minério de ferro e a soja.
Não foi por falta de aviso. Inúmeros especialistas alertaram para a necessidade de negociação de acordos de comércio. O Brasil preferiu esperar pelo sucesso da Rodada Doha, que não veio, aceitar todas as limitações que a Argentina impôs às negociações brasileiras. Hoje, a Argentina está cada vez mais próxima da China, que passou o Brasil no comércio com o nosso vizinho.
É preciso repensar a estratégia comercial do país