Eleições no Brasil e tendências
globais
O Brasil tem apresentado mau
desempenho quando se trata das duas grandes tendências mundiais surgidas no
último quarto de século. A falta de compreensão desse problema e das ações de
política interna e, principalmente, de política externa necessárias para
superá-lo – discussão que costuma passar longe de nossas campanhas eleitorais –
não só afeta a nossa competividade, mas também pode minar o futuro do País.
Globalização e sustentabilidade não são apenas duas palavras da moda,
mas verdadeiras “megatendências” – conceito popularizado nos anos 1980 por John
Naisbitt para descrever mudanças sociais e econômicas que acabam por se tornar
imperativos estratégicos incontornáveis para as empresas.
Porém, se algumas empresas brasileiras entenderam a importância de se
internacionalizar e de tornar suas práticas mais sustentáveis, nosso Estado vem
falhando em exercer o papel que poderia ter nesses processos.
A nossa pouca sintonia com a globalização – cujas características atuais
se devem em grande parte à revolução tecnológica ocorrida a partir da década de
1990, portanto, há quase 25 anos – já começa a merecer a devida atenção. Tem se
alertado com mais frequência para nossa baixa inserção nas cadeias produtivas
globais, que priva nossas empresas do acesso a insumos mais baratos, reduzindo
a sua produtividade e levando a perda de competitividade e diminuição do
bem-estar da população. Contribuem para isso, como se sabe, nossa burocracia
excessiva, infraestrutura deficiente e capital humano pouco capacitado. Embora
esses fatores internos sejam muito debatidos, pouco se fala sobre as medidas
que poderiam ser tomadas, no plano internacional, para melhorar esse cenário.
A fim de fazer parte das cadeias globais de valor, um país deve oferecer
garantias de que o investimento daquele que optar por alocar parte da produção
em seu território será bem tratado e que a produção resultante desse
investimento poderá ser escoada de forma favorável. Ou seja, deve se sair bem
em duas vertentes, a do investimento externo direto e a do comércio
internacional, que contam com uma infinidade de acordos internacionais – uma
“globalização jurídica” à qual o Brasil tem aderido de forma insatisfatória.
Com relação à primeira dessas vertentes, passamos em branco quando o
assunto é a participação na ampla rede de proteção composta de mais de 2500
tratados bilaterais de investimento. E, quanto à segunda
vertente, assumimos uma postura tímida na celebração de acordos de livre
comércio, dificultada pela necessidade de consenso entre os países do Mercosul.
Enquanto isso, centenas de novos acordos bilaterais e plurilaterais surgiram na
última década.
A outra tendência também sofre do mesmo mal. Muitas empresas brasileiras
– menos do que seria preciso, é verdade – já perceberam que a crescente
escassez de recursos e o maior número de consumidores ecologicamente
conscientes contribuem para o surgimento de um “funil da sustentabilidade” que
vem se estreitando a cada dia. Notaram, ainda, que aquelas que passarem
primeiro por esse funil assegurarão sua sobrevivência em um contexto em que
práticas mais sustentáveis se tornarão obrigatórias e colherão os benefícios de
terem se adaptado primeiro a essas transformações.
Nosso Estado, entretanto, parece ter pouca consciência dessa realidade.
É uma pena, porque caberia a este fornecer os sinais corretos para a iniciativa
privada. Ao definir, por exemplo, que estabelecerá limites mais severos para as
emissões, o governo cria fortes incentivos para investimentos verdes, como
fábricas mais eficientes, dando um impulso a tecnologias de baixo carbono
e outras inovações. Para isso, o Estado conta com diversos instrumentos,
como a tributação, que permitiria precificar o carbono, e a adoção de critérios
socioambientais na política de compras governamentais, que ajudaria a
viabilizar economicamente produtos sustentáveis, ao ganharem escala suficiente
para reduzir seus custos.
Assim como ocorre com as empresas, os Estados também têm a ganhar
ao assumirem a dianteira e conduzirem sua economia rumo à
sustentabilidade. Se esta última é uma tendência, os riscos e
oportunidades relacionados a acompanhá-la ou não se aplicam também aos países.
Aqueles que saírem na frente podem ter ganhos significativos – trazendo
vantagens para suas empresas e seus cidadãos – além de evitar a ameaça de ficar
para trás.
Aqui, mais uma vez, ainda que venham surgindo no âmbito interno algumas
primeiras iniciativas, no plano internacional o Brasil poderia se propor a
assumir um papel de protagonista, o que não vem fazendo.
Nossas características naturais – como o potencial hídrico e de
insolação – poderiam representar uma vantagem competitiva em um contexto onde a
sustentabilidade se consolide como um imperativo. Em outras palavras, temos
condições de atravessar mais rapidamente o funil da sustentabilidade e, feita
essa lição de casa, interesse em que as paredes desse funil se estreitem. Até
por esse motivo, nossa postura deveria ser de ponta, liderando o movimento da
comunidade internacional para, entre outras iniciativas, a adoção de um acordo
global efetivo de combate às mudanças climáticas.
As eleições no Brasil têm
sido historicamente pautadas por escândalos políticos e debates rasteiros. A
atual vive dias de perplexidade, causados pela trágica morte de Eduardo Campos.
Este é o momento de refletir. Não podemos seguir ignorando a necessidade de nos
adequarmos a essas duas tendências – globalização e sustentabilidade – se
quisermos construir um verdadeiro projeto de país.
Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 22 de agosto de 2014, p. A12.