Agravamento da crise e seus reflexos na globalização
Eduardo Felipe P. Matias
A prolongada crise financeira mundial põe a globalização em xeque. Será que, como ocorreu com o período de grande internacionalização ocorrido nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial, a globalização atual irá acabar?
Poucos assuntos foram tão discutidos nos últimos anos quanto a globalização. Mas nem sempre essa discussão leva em conta o quanto o mundo está hoje, de fato, internacionalizado. E esse é um dado essencial, se quisermos entender o que está em jogo com o agravamento da crise e possível retração da globalização.
Se considerarmos as atividades que podem ocorrer tanto dentro como através das fronteiras nacionais, e calcularmos qual porcentagem destes pode ser considerada internacional, chegaremos a números surpreendentes. Por exemplo, o investimento estrangeiro direto correspondeu em média, nos últimos anos, a apenas 10% do investimento total mundial, o que sugere que aproximadamente 90% de todo o investimento fixo mundial ainda é doméstico. E somente por volta de 20% das ações estão nas mãos de investidores estrangeiros. Logo, o mundo ainda não alcançou ao nível de integração que a badalação em torno do tema da globalização nos levaria a crer. Reações protecionistas são normais em tempos de crise, havendo por isso uma forte possibilidade de que esses números, já baixos, tendam a reduzir-se.
No entanto, a globalização, como ideia, é mais difícil de enterrar. Ela está por trás de um dos maiores crescimentos econômicos da história recente – ainda que crescimento seja uma coisa e desenvolvimento sustentável seja outra completamente diferente, mas essa é outra história. É preciso, entretanto, discutir qual globalização queremos. Os benefícios do livre comércio, em teoria, são inegáveis, e mesmo a integração dos mercados financeiros mundiais deveria aportar algo em termos de mitigação do risco e melhor alocação de recursos. Porém, a globalização foi empacotada e vendida como liberalização desenfreada. Esse entendimento não era correto, e conduziu alguns países que seguiram a cartilha à risca a fracassarem, enquanto outros, que entenderam que o capitalismo não comporta um modelo único, sendo necessário algum tipo de presença do Estado, foram bem sucedidos. Pior, a falta de regulamentação e de controles democráticos tem causado constante instabilidade econômica, levando até os mais fanáticos pela integração econômica mundial a duvidarem dos poderes mágicos desse processo.
Além disso, o aumento da interdependência foi acompanhado de uma globalização jurídica, onde tratados e organizações internacionais consolidam e protegem alguns dos princípios relacionados à liberalização econômica. Assim, mesmo que seja de se esperar que esta sofra retrações em momentos de recessão, a própria arquitetura institucional montada em volta da globalização torna difícil que sua vida seja abreviada por uma onda nacionalista e protecionista.
Tudo isso nos leva a algumas conclusões. O fato de que a globalização não é tão grande quanto parece deveria diminuir o temor de que os efeitos de seu possível encolhimento seriam devastadores. O fato de que, em sua base, há alguns conceitos úteis, capazes de gerar bem estar econômico, fazem com que seja difícil dela abrir mão. E o fato de que, como ideia, ela venha sendo distorcida, o que tem levado a desigualdade crescente e crises frequentes, mostra a necessidade de que ela seja entendida e governada de outra forma. Ela irá sobreviver. Mas terá que ser outra globalização, bem diferente da que conhecemos hoje.